“Ser cobra”

O melhor jogador do time era ‘o cobra’, o melhor apanhador de algodão era o cobra entre os catadores, e assim em tudo (na foto, Alfredo Marcondes, SP)

Nos anos 60, no meio rural em que foi criado, havia gírias  marcantes e uma delas era dizer que alguém que se destacava em uma atividade era ‘o cobra’, ou simplesmente ‘cobra’. O melhor jogador do time era ‘o cobra’, o melhor apanhador de algodão era o cobra entre os catadores, e assim em tudo. Hoje ‘ser cobra’ não tem o mesmo significado elogioso, muito pelo contrário, muitas vezes.

Lembrei-me da gíria, comentando postagem do Neurivan Campos da Silva, um conterrâneo de Alfredo Marcondes SP, vereador no quinto mandato consecutivos, comunicador que usa seu veículo como carro de som para informações relevantes aos moradores da pequena cidade, inclusive o obituário. O Neurivan é conhecido como Cobrinha e acrescenta ‘A voz do povo’ para registro na urna.

A referida postagem  é um vídeo, com imagens da praça e igreja da nossa cidade natal, com uma mensagem  de fundo, narrada por ele, que é um verdadeiro epitáfio, reproduzindo fala de alguém que está partindo, mais ou menos como essa mensagem psicografada por Chico Xavier, ditada pelo Espírito Emmanuel, que foi o padre Manuel da Nobrega:

Um dia, nós também iremos embora. Antes do esperado, sem prévio aviso, apenas uma chamada inesperada, um equívoco do relógio biológico, ou uma pressa inexplicável de alcançar o inalcançável. E mesmo que saibamos que já estava combinado, custa à acreditar que aquele abraço não vai acontecer mais, nem o pedido de desculpas ou o recurso da última frase, porque ela já foi dita.

Muitas vezes vivemos uma vida inteira com alguém, que acreditávamos que fosse como a gente e, de repente, descobrimos que passamos todo esse tempo ao lado de um anjo, de um enviado das estrelas. Daí a carruagem que não enxergamos, vem e carrega essa luz, nos deixando sem sua sombra, com uma saudade danada do que não conseguimos viver e das lembranças que nunca vamos esquecer.

Sim, já agendamos a partida, e não é permitido que se saiba a data.
O tempo não existe no calendário das almas. A hora de partir é a hora de festejar, chegou a hora de voltar para casa, iremos reencontrar amores, amigos que deixamos do lado de lá e que não nos lembrávamos mais, mas apenas por um curto período de tempo.

Mas para quem ainda fica preso na prisão mental das penas da Terra, é como um gosto vazio que tira o ar, que não conseguimos explicar de tão incômodo que é sentir. O que conforta é a esperança de que o mundo espiritual, aquele que é o de verdade, ganhou alguém especial, e que nós não o perdemos, ele só tinha de ir na frente. A festa é lá, e é lá que ele prepara a nossa festa de chegada para o dia de voltar a nos abraçar.’

Não sei se a mensagem do Cobrinha foi homenagem a alguém. especificamente, mas foi  produzida na mesma semana em que, inesperadamente, um  colega de escola, nos anos 60, médico muito querido na nossa cidade, para mim o Ricardo, para muitos o Dr. Ricardo Zuniga Matos, formado há 42 anos e que se tornou ‘um cobra’, ao fazer da medicina um sacerdócio, segundo testemunhos de quem conviveu mais diretamente com ele, atendendo a todos indistintamente.

O Ricardo estava tomando cerveja com amigos no sábado, contou-me um irmão. No domingo não acordou  bem, procurou atendimento médico, foi diagnosticado com dengue e na quarta-feira seu corpo físico faleceu, e ele retornou ao Mundo Espiritual, antes do esperado para nós, mas certamente dentro da programação , pois a ‘burocracia espiritual’ não se equivoca. Chegou a sua hora de partir, como a de tantos, todos os dias, e fatalmente chegará a de cada um de nós, que sobrevivemos fisicamente, ainda.

Que Deus lhe dê um bom lugar, diriam os mais antigos. Pelo que compreendi do espiritismo, Deus não dá um bom lugar para ninguém. Um bom lugar é conquistado por nós, com base no que fizermos de bom e certo, enquanto encarnados. Mas não há o fogo eterno para ninguém.

‘Ser cobra’ no amor ao próximo, em empatia, honestidade e  ética nos credencia para uma boa morada na casa do pai, para continuação do trabalho.

Foto: Redes sociais