Uma vendinha no meio do caminho…

Mas poderia ser bar, boteco, mercearia e até lanchonete, tradicionais estabelecimentos comerciais, onde as pessoas se reúnem para prosear, jogar bilhar, truco ou beber uma cervejinha gelada e até uma cachacinha; acima, a antiga Venda do Barro Preto

Tebinha, uma gata que criou sete vezes, dorme no piso. Mais gatos se misturam às gaiolas de canários-do-reino. Gente que chega, gente que sai. O Bar e Lanchonete Siqueira fica na Avenida Brasil, quase em frente à praça da Igreja Católica. Alguns proseiam; outros degustam uma cervejinha. Ou uma cachacinha. Num trago. Atrás do balcão está João Humberto Siqueira. Nascido em Sertanópolis (PR), chegou a Grandes Rios com quatro anos de idade. Em 1974, ele instalou o Bar e Lanchonete Siqueira, onde está até hoje. Por ali, a maioria se conhece. Não existem tretas. “Aqui é tudo amigo, ninguém se encrespa com ninguém”, afirma ele.

João Siqueira comanda tradicional bar na Avenida Brasil, em Grandes Rios, no Vale do Ivaí

Alguns são antigos fregueses. É o caso de Ademar José Jardim, que há mais de 50 anos, marca presença no Siqueira, como se diz em Grandes Rios. Uma cidade de pouco mais de 5 mil habitantes, encrustada no Vale do Ivaí. Do lado da porta, senta-se Florisvaldo Pereira dos Santos, mineiro de 73 anos, que aos 14 anos chegou ao Paraná em um pau-de-arara. Diz que veio quase fugido por causa de uma rusga com parentes de uma namorada. “O trem foi feio, tive de cair fora para não pagar com a vida”, conta.

O espreguiçar dos gatos, o canto dos canários. Assim corre a vida num domingo pela manhã, no Bar e Lanchonete do Siqueira, na principal avenida de Grandes Rios. Após se despedir dele e dos fregueses, eu e Vanderlei seguimos rumo à balsa do rio Ivaí. Um atalho que leva a Jardim Alegre. Pela estrada cascalhada, em boas condições, antigas construções revelam o passado da região. Algumas eram vendas de secos e molhados que atendiam a demanda na época áurea dos cafezais. Numa delas, ecoa o som de um radinho de pilha de uma família que mora ao fundo: “Lembrança por que não foges de mim/Me ajude a arrancar do peito essa dor”. Composição de Zé Fortuna, que a cantava com o irmão Pitangueira.

Tereza mantém a tradição no Comercial Iguaçu, no distrito de Guajuvira, em Araucária

Músicas, bares, botecos e vendas se misturam, conforme cantava a folclorista Ely Camargo: “lá na venda, lá na vendinha. É lá mesmo que tem da boa pinguinha”. Não só. Ao menos numa esquina no bucólico distrito de Guajuvira, em Araucária, no sul do Paraná. Ali está o Comercial Iguaçu, que leva o nome do rio que corre a menos de 300 metros do local.

Esqueça o celular, diz o aviso, fazendo prevalecer o bate-papo entre os frequentadores do Comercial Iguaçu

Uma pausa para apreciar a cerveja gelada. Quem atende é Marcos Antônio Czaikowski, 55 anos, filho de Tereza Czaikowski, 78. Ele a chama para contar um pouco da história do boteco e da mercearia que fica ao lado. “Essa esquina é ponto de comércio há mais de 100 anos”, diz ela, que vive ali há mais de 60 anos.

Comercial Iguaçu há mais de 60 anos no mesmo local e com a mesma família

“Aqui já foi movimentado”, acrescenta o professor Rosemiro, morador de Araucária, que nos acompanhou na visita. A linha férrea, que passa ao lado, trazia gente de Curitiba. Vendiam-se peixes pescados no Rio Iguaçu. Mas o movimento não cessou na esquina da rua Sebastião Ludgero Joslin. Nos fins de semana,  muita gente no boteco e na mercearia, incluindo turistas. A maioria vem de Curitiba e para ali para tomar uma cervejinha e prosear. O pastel de ricota e o bolinho de carne conquistaram os paladares. A chaminé de uma antiga olaria que funcionou por vários anos ajuda a enfeitar a localidade do Guajuvira, parada obrigatória para quem visita Araucária.

Não tem semáforo, mas a parada também é obrigatória para quem trafega pela estrada do Barro Preto. A entrada, na BR-376, leva ao Castelo Eldorado, em Marilândia do Sul. De lá segue-se em frente por 15 quilômetros. Chega-se à comunidade do Barro Preto, onde tem uma venda de secos e molhados, que, de segunda à sexta, abre após às 17 horas, aos sábados o dia todo e, aos domingos, pela manhã. Quem atende é Sirley Negri Menossi, 75 anos, viúva de Alinor Aparecido Menossi. A maioria dos fregueses é da região. Alguns jogam bilhar numa mesa ao fundo. “A gente conhece todo mundo aqui, não tem confusão, tudo tranquilo”, garante ela.

Sirley Menossi diz que conhece os fregueses, o que lhe dá tranquilidade para atender no balcão

Mãe de três filhos e avó de uma neta, Sirley preserva coisas antigas. Na parede interna da venda, entre outros objetos, um moinho de moer café, um latão de alumínio de entregar leite e uma máquina de costura Vigorelli. Ela a usou por muitos anos e colocou lá para os visitantes apreciarem. “A gente guarda porque cada coisa tem um sentimento de pertence, uma memória”, afirma ao posar para uma foto à frente do estabelecimento, com imensas portas de madeira. O professor Donizeti Donha e o engenheiro agrônomo João Flávio me conduziram.

Texto e foto: Donizete Oliveira