TCE-PR suspende contrato emergencial para consignado de servidores estaduais

Suspeita é de cinco irregularidades, como “emergência fabricada”

Indícios da ocorrência de cinco irregularidades, incluindo “emergência fabricada”, levaram o Tribunal de Contas do Estado do Paraná a suspender, via medida cautelar, contrato da Secretaria de Estado de Administração e Previdência com a empresa Salt Tecnologia Ltda.

A contratação emergencial, formalizada por meio de contrato administrativo da Seap-PR, é destinada à prestação de serviços de gestão da margem consignável de empréstimos e dos descontos facultativos na folha de pagamento de pelo menos 240 mil servidores públicos do Poder Executivo estadual do Paraná.

Além da “emergência fabricada”, que teria resultado na indevida contratação emergencial durante vigência de outro contrato para o mesmo serviço sem evidências da ocorrência de graves irregularidades que justificassem a rescisão, o TCE-PR considerou outras quatro possíveis violações a princípios constitucionais e à Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) para ordenar a imediata paralisação do procedimento.

São elas: falta de transparência e informações essenciais; violação do princípio da vinculação ao edital; indícios de favorecimento à empresa contratada; e falta de equidade e clareza quanto aos pressupostos em relação ao que teria sido considerado custo zero para o Estado resultante dessa contratação.

Ao suspender o contrato com a empresa Salt Tecnologia, o Tribunal determinou a imediata retomada dos serviços prestados pela Fundação Parque Tecnológico Itaipu – Brasil (ParqueTec). Resultante do processo de dispensa de licitação nº 35478/2024, o contrato administrativo nº 6093/2024, firmado com a ParqueTec, foi assinado em outubro de 2024. Apesar de ter duração prevista de cinco anos, ele foi suspenso unilateralmente pela pasta estadual, sob a legação de descumprimento de obrigações pela contratada.

A medida cautelar com as duas determinações foi emitida pelo conselheiro Fernando Guimarães na quinta-feira, 10, em representação da Lei de Licitações formulada pela empresa Safe Consig Tecnologia da Informação Ltda., participante do procedimento da Seap-PR nº 23.358.925-0, iniciado em janeiro deste ano, que resultou na contratação emergencial da Salt Tecnologia pelo prazo máximo de um ano. Em vigor desde sua emissão, o Despacho nº 309/25, emitido pelo relator do processo, será submetido à homologação pelo Tribunal Pleno do TCE-PR.

Contratação emergencial – Na análise preliminar da documentação apresentada – pela Seap-PR e as empresas autora da Representação e vencedora do certame -, o relator considerou plausíveis todos os indícios de irregularidades apontados no pedido cautelar. Segundo a representante, a Salt Tecnologia seria, na verdade, uma extensão da Zetrasoft, empresa que prestou o serviço de consignado ao governo estadual entre 2019 e 2024, e que, segundo a autora, esteve envolvida em fraudes naquele período.

Em relação à contração emergencial durante contrato vigente com outro fornecedor, Guimarães concluiu que, nas informações e documentos apresentados pela Seap-PR, não ficaram comprovadas as irregularidades que justificariam o rompimento do contrato com o ParqueTec. Além disso, o despacho aponta que ficaram evidenciadas contradições e falhas no Processo Administrativo de Apuração de Responsabilidade (PAAR) aberto pela Seap-PR em janeiro passado em relação à ParqueTec, no qual foi recomendada a suspensão do contrato administrativo nº 6093/2024.

“A suspensão unilateral de contratos, sem a prévia oportunidade de defesa ao contratado e na ausência de fatos ou irregularidades contundentes que coloquem em grave risco o interesse público, viola frontalmente os princípios da eficiência, economicidade, razoabilidade, proporcionalidade e boa-fé”, afirmou o relator em seu despacho. “Tal atitude arbitrária, ao negligenciar a busca por soluções consensuais e impor uma penalidade desmedida, torna o ato ilegal, desproporcional e passível de responsabilização, configurando, inclusive, possível desvio de finalidade.”

Dessa forma, Guimarães considerou plausível a ocorrência de “emergência fabricada, com vistas potencialmente à contratação, a toque de caixa, da mesma empresa – ainda que agora em outra configuração jurídica – que vinha prestando os serviços anteriormente. Isso ocorre quando a administração pública deliberadamente cria ou agrava uma situação emergencial para justificar a dispensa de licitação”.

“De acordo com a lei nº 14.133/2021, que rege as licitações e contratos administrativos, a dispensa de licitação em casos de emergência só é válida quando há necessidade imediata de atendimento de situações que possam causar prejuízos graves aos cidadãos ou comprometer a segurança de bens, serviços ou obras públicas. A situação de ?emergência fabricada’ ocorre quando a administração abusa dessa prerrogativa, geralmente para favorecer determinados fornecedores, e tem sido repudiada tanto pela doutrina jurídica como pelas decisões administrativas e judiciais quando apurada”, escreveu o relator.

Falta de transparência e informações – O relator também considerou que faltaram transparência e a divulgação de informações essenciais relativas à contratação para todos os participantes. A Seap-PR não disponibilizou um número de processo administrativo ou publicação oficial que permitisse o acompanhamento da legalidade dos atos praticados no procedimento.

A secretaria não comprovou ter anexado um documento com as especificações do serviço a ser prestado aos e-mails enviados às três empresas às quais solicitou cotação de preços para fundamentar a contratação emergencial. Também foi considerado exíguo o prazo de três dias para a elaboração das propostas – situação que favoreceria a Salt, já que a empresa que a originou, a Zetrasoft, já conhecia o serviço. O certame recebeu propostas de seis empresas.

Violação do princípio da vinculação – O terceiro ponto contestado pela representante foi o fato de a Seap-PR ter aceitado a correção de dados cadastrais pela vencedora, apesar da regra que vedava qualquer alteração posterior à apresentação das propostas. A Salt Tecnologia conseguiu inserir o número correto de seu Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica após constatar que o número de CNPJ constante do processo era, na verdade, da Zetrasoft, empresa que a antecedeu.

Para justificar esse questionamento, a Seap-PR alegou que o erro material foi causado pela própria secretaria e sua correção não prejudicou a isonomia entre os participantes. Nos próprios autos do processo de Representação da Lei de Licitações, entretanto, documentos apontam que o erro no CNPJ teria sido cometido pela empresa Salt.

Contratação direta – O exame preliminar também contestou a modalidade de contratação direta emergencial para um serviço contendo diversas exigências técnicas, como a condição de processamento de, pelo menos, 270 mil linhas em acordos de consignado existentes, certificação ISO 27001 e autorização biométrica, as quais a autora da Representação considerou injustificadamente rigorosas para uma contratação fundamentada em emergência.

Suposta inexequibilidade – A Representação apontou eventual risco de que a proposta vencedora fosse inexequível, por não cobrar valores do Estado para a prestação do serviço. Na resposta apresentada no processo, a Salt argumentou que pôde oferecer custo zero ao contratante porque sua receita é oriunda de uma vasta carteira de clientes e serviços.

Ao analisar o estudo técnico preliminar da contratação, a equipe do relator apurou, no entanto, que o modelo adotado, na verdade, prevê cobrança entre R$ 0,50 e R$ 3,30 por linha processada junto às empresas consignatárias. Essa cobrança é capaz de gerar uma receita de R$ 1.620.000,00 mensais à empresa contratada pela Seap-PR, sem qualquer repasse de valores ao cofre estadual.

“Ou seja, o ETP reconhece que, historicamente, os contratos de gestão de margem consignável geram receita para o Estado por meio de cobranças por linha processada. Contudo, devido à alegada urgência em formalização de nova contratação e à intenção de beneficiar os servidores, optou-se por não incluir repasses de valores ao Estado nesse contrato específico, com prejuízo milionário e mensal aos cofres estaduais”, afirmou o relator.

Um dos motivos da determinação para a retomada do contrato com a ParqueTec foi o possível prejuízo financeiro mensal de, no mínimo, R$ 540.000,00 ao Estado, decorrente da suspensão unilateral promovida pela Seap-PR.

Defesa – A Seap-PR e seus representantes legais receberam um prazo de 15 dias para manifestarem-se a respeito das possíveis irregularidades apontadas no despacho que fundamentou a medida cautelar, apresentando os documentos necessários. Os efeitos da decisão serão mantidos até o julgamento de mérito do processo, a não ser que ocorra sua revogação antes disso. (Assessoria/TCE)

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