O alienista


O vício alienante se sobrepõe constantemente aos dispositivos da legislação de trânsito, uma vez que condutores de todo tipo de veículo automotor são flagrados utilizando o aparelho celular
O caminho se mostra íngreme, repleto de curvas perigosas e desprovido de sinalização. Ainda assim, as pessoas não demonstram temor ou preocupação com a segurança. Algumas selecionam o câmbio automático na posição neutro, imaginando proporcionar o rodar mais ágil e silencioso. A verdade é que estamos todos relapsos com a condução de nosso cotidiano. Passamos quase que inconscientemente, a incorporar comportamentos extremamente danosos para nossa saúde física e mental. A realidade atual é incontestável. Em pleno século 21, a ameaça mais nociva a afligir todas as faixas etárias é o uso indiscriminado da tecnologia, especialmente o aparelho de telefonia móvel. Esse versátil equipamento, outrora visto como um ícone da modernidade será o causador de incontáveis moléstias a acometer o bípede ainda pensante.
É de conhecimento público que o uso abusivo dos smartphones tende a gerar transtornos psíquicos como ansiedade e em casos extremos, até mesmo depressão. A sensação de estar perdendo informações importantes ou o excesso momentâneo de tédio, fatores que podem gerar o temor de ficar sem conexão já tem nome: nomofobia, do inglês “no mobile”, sem celular. Essa patologia dos tempos modernos pode causar ainda diversos problemas físicos como dores de cabeça, no pescoço e na coluna, fadiga ocular, entre outros incômodos correlatos. O uso excessivo prejudica as habilidades cognitivas e motoras, eleva problemas de concentração e pode afetar o sono e a saúde mental. E isso é facilmente constatado em absolutamente todos os ambientes. Na sala de espera do consultório médico, na agência bancária, no supermercado, no restaurante, nas ruas, parques, em qualquer lugar existe alguém manuseando freneticamente o dito cujo. O vício alienante se sobrepõe constantemente aos dispositivos da legislação de trânsito, uma vez que condutores de todo tipo de veículo automotor são flagrados utilizando o aparelho celular.
Diante desse quadro caótico de dependência coletiva, os questionamentos são tão profusos quanto pertinentes. Por quais motivos precisamos checar a cada cinco minutos o aplicativo de mensagens? Quais assuntos urgentes não poderiam aguardar a primeira oportunidade para serem solucionados? Por que razão o conhecido aviso sonoro de novas mensagens estimula tanto os usuários, a ponto de interromperem imediatamente suas atividades laborais, muitas vezes colocando em risco a própria segurança? Por que a preocupação em estar conectado o tempo todo, se a atividade profissional ora exercida não requer o uso permanente do celular? Quais valores morais são priorizados ao se compartilhar mensagens, fotos ou vídeos de caráter duvidoso, cujas intenções deliberadamente dissimuladas visam apenas atingir objetivos escusos? Onde está a responsabilidade dos pais ou responsáveis, ao franquear indiscriminadamente o acesso de crianças pequenas às redes sociais, sem monitoramento efetivo?
Esse cenário desalentador é o prenúncio de tormentas em um futuro próximo. Os efeitos serão devastadores em médio o longo prazos. As políticas públicas voltadas a minimizar as consequências desse desajuste comportamental são pífias ou inexistentes. A iniciativa em se mudar a situação deve ser estimulada imediatamente. Menos tempo de tela, mais convívio social. Isso inclui pedaladas, caminhadas, exercícios ao ar livre, a companhia de um bom livro, entre outras tantas interações salutares. Então, esqueçamos o celular por um tempo. Existe vida sem ele!
(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista em Marialva/PR.
Foto: Norma Mortenson/Pexels