Salve-se, quem puder


No atual estado da Humanidade terrena ainda prevalece o mal. Quando se achar transformada, a estrada do bem será a mais frequentada
A frase pode parecer uma blasfêmia, na semana em que se lembra a morte, na cruz, do maior símbolo da fé cristã, Jesus, e me ocorreu após conversa recente, em que ouvi de respeitável interlocutor uma interpretação das escrituras sagradas, segundo a qual, em outras palavras, que em relação à salvação, o cristão evangélico deve ser bom, ético, honesto, enfim ser um homem de bem, por gratidão a Jesus Cristo, que com seu sangue o salvou.
Surpreso com tal entendimento de gratidão pela ‘graça da salvação’, busquei nas palavras do Mestre de Nazaré material para reflexão sobre o que podemos entender por salvação, à luz da Doutrina Espírita, nas seguintes passagens:
‘Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta da perdição e espaçoso o caminho que a ela conduz, e muitos são os que por ela entram. Quão pequena é a porta da vida! quão apertado o caminho que a ela conduz! e quão poucos a encontram! (S. Mateus, 7:13 e 14.)
Tendo-lhe alguém feito esta pergunta: Senhor, serão poucos os que se salvam? Respondeu-lhes ele: Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, pois vos asseguro que muitos procurarão transpô-la e não o poderão. (…) Então, haverá prantos e ranger de dentes, quando virdes que Abraão, lsaac, Jacob e todos os profetas estão no reino de Deus e que vós outros sois dele expelidos. Virão muitos do Oriente e do Ocidente, do Setentrião e do Meio-Dia, que participarão do festim no reino de Deus. Então, os que forem últimos serão os primeiros e os que forem primeiros serão os últimos. (S. Lucas, 13:23 a 30.)’
O entendimento dos textos acima, para o espiritismo, é que larga é a porta da perdição, porque são numerosas as paixões más e porque muitos se enveredam pelo caminho do mal. É estreita a da salvação, porque grandes esforços é preciso fazer para transpor, para vencer más tendências, coisa a que poucos fazemos. É o complemento da máxima: “Muitos são os chamados e poucos os escolhidos.”
No atual estado da Humanidade terrena ainda prevalece o mal. Quando se achar transformada, a estrada do bem será a mais frequentada. Não há mal que dure para sempre, diz a sabedoria popular. Por que essa porta tão estreita que só a muito poucos é dado transpor, se a sorte da alma é determinada para sempre, logo após a morte? Assim é que, com a unicidade da existência, o homem está sempre em contradição consigo mesmo e com a justiça de Deus. Com a anterioridade da alma e a pluralidade dos mundos, o horizonte se alarga; faz-se luz sobre os pontos mais obscuros da fé; o presente e o futuro tornam-se solidários com o passado, e só então se pode compreender toda a profundeza, toda a verdade e toda a sabedoria das máximas do Cristo.
O que significa ser salvo? Significa alcançar a felicidade que vem com a consciência tranquila de cumprir as recomendações do Mestre de Nazaré, fazendo o bem, sendo honesto, ético, bondoso, caridoso, ao contrário dos egoístas, ambiciosos, maldosos, muitos querendo ser cada vez mais fortes em detrimento dos mais fracos.
Salvação, no meu entendimento, não é conquistar ‘um céu’, evitando um ‘inferno de fogo eterno’, que não existem, se analisarmos racionalmente. Diabo, demônio, satanás, seja como quer o chamemos, não pode ser tão poderoso, ou ‘um prestador de serviços’ ao Deus Amor, apresentado por Jesus, na execução da ‘penas impostas’ aos ‘não salvos’.
Não fomos todos salvos pela morte do corpo carnal de Jesus. Se assim fosse ele não teria dito: ‘Esforçai para entrar porta estreita’. Salvação é a conquista da felicidade por deveres retamente cumpridos, sobretudo os da caridade e amor. Só pode ser alcançada com esforços de cada um de nós, seguindo Cristo, que nos disse para amar a Deus acima de tudo e ao próximo como a nós mesmos’.
Assim, podemos dizer: ‘Salve-se, quem puder, acrescentando, e quiser. Querendo , se esforce, usando o livre arbítrio nas escolhas entre o bem e o mal, optando sempre pelo bem, a exemplo de Jesus, nosso modelo e guia.
Foto: TepRo/Pexels