Não o esquecerei, Zeca!


Ontem saí ao portão para levar minha sobrinha à escola. Ao abri-lo, ela passou na minha frente. Mas parou e soltou um grito misturado ao choro, “o Zeca”!
Um miado estridente, como se algo o tivesse agredindo. Na primeira vez, de madrugada, estranhei. Da segunda noite em diante, me acostumei. Era o Zeca, um gato rajado, cujos olhos pareciam sempre pedir alguma coisa. Ele era de um vizinho que mora em frente e atravessava a rua para comer ração. Deixo um pote cheio ao lado da cama para a Jade comer. Ele passava por um vão na porta. De manhã, retornava e comia mais ração.
Enturmou-se com nossos gatos. Virou amigo do pequeno Simba. Os separávamos com medo dele agredi-lo. Mas viraram parceiros de intensas lutas inofensivas. Passavam horas a brincar. Um escondia embaixo de algum móvel e surpreendia o outro. A peraltice era um passatempo para nossos olhos. Imagino que para eles também que davam intermináveis saltos.
Ontem saí ao portão para levar minha sobrinha à escola. Ao abri-lo, ela passou na minha frente. Mas parou e soltou um grito misturado ao choro, “o Zeca”! Pus a cabeça para fora e o vi estendido. Uma mancha de sangue à frente da cabeça. Um carro o atropelou na rua. Ele andou alguns metros e morreu na calçada em frente de casa. Que baque! Meu dia se foi. Não era um gato da gente, mas era como se fosse.
Minha irmã chamou o vizinho dono dele. Pedi para enterrá-lo no quintal. Ele concordou. Mais um animal no quadro das minhas lembranças. Não o esquecerei, Zeca! Coisas assim me comovem. Como diz Manoel de Barros: “Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas. E me encantei”.