Tempos estranhos

Diante das lamentáveis e numerosas demonstrações de insanidades, poder-se-ia enumerar supostos motivos para esse comportamento peculia

O filme se repete, agora com nova roupagem. Do nada, algum modismo momentâneo aparece e toma conta da vida das pessoas, especialmente daquelas costumeiramente sugestionáveis. As permanentemente suscetíveis a qualquer novidade modernista, as que estão sempre prontas a colocar em dúvida sua sanidade mental e a reputação perante a sociedade. Assim foi com o viciante Pokémon, um jogo que funcionava através do smartphone e estimulava pessoas de todas as idades a procurar e capturar criaturas virtuais nos lugares mais inusitados possíveis. Essas tendências alienantes ocorrem também no meio musical, em que letras rasas e repetitivas, desprovidas de qualquer resquício de inteligência são transformadas em baladas executadas por todo o País. De “Caneta azul” a “Cabeça branca” e outras bobagens alçadas a verdadeiros hits do momento, resta o temor de que essa nação prolífera em futilidades terá um futuro sombrio pela frente.

Uma prova disso é a nova mania que se espalha como erva daninha: os chamados bebês Reborn, bonecas ultrarrealistas, fabricados geralmente com borracha ou silicone e que virou obsessão entre adultos. Essa seria mais uma história de apego excessivo a algum brinquedo inocente, mas a realidade é que a babaquice de certas pessoas ultrapassa todos os limites imagináveis. Classificar o nível de ousadia de determinadas mulheres que levam um objeto inanimado, trajado com vestes e outros acessórios infantis para atendimento médico no Sistema Único de Saúde é tarefa para profissionais da área de psicologia ou patologias similares. Ou daquela que resolveu menosprezar descaradamente os sacramentos da crença católica ao solicitar o “batismo” de seu passatempo favorito. Ou ainda, as que se aproveitam da boa fé da coletividade ao acessar vergonhosamente a prioridade nas filas dos estabelecimentos comerciais, instituições bancárias, assentos prioritários no transporte coletivo e outras situações do cotidiano. Tudo isso sem escrúpulo algum, como se aquele pedaço de borracha tivesse os mesmo direitos dos cidadãos, garantidos pela legislação.

Diante das lamentáveis e numerosas demonstrações de insanidades, poder-se-ia enumerar supostos motivos para esse comportamento peculiar. Desde a teoria do apego, em que mulheres buscam minimizar fragilidades emocionais através das bonecas, ou pelo simples prazer do ato de cuidar. Mas isso não justifica as condutas bizarras divulgadas em redes sociais. Aliás, esse parece ser o “xis” da questão. A imensa maioria das pessoas que possuem aquele simulacro humanoide procura não apenas demonstrar afeição em ambiente doméstico, mas divulgar o fato. A publicidade, os compartilhamentos, os comentários e tudo o que envolve o assunto só alcançará sua finalidade se for do conhecimento público. É esse o sentimento que acomete os envolvidos nessas situações. O prazer maior vem da exposição, do alcance e da repercussão das imagens.

É sabido que bonecas ultrarrealistas são empregadas com sucesso em procedimentos terapêuticos e casos específicos, que envolve distúrbios psíquicos ou comportamentais. E a utilização como apenas mais um brinquedo é algo salutar nas interações humanas, porém requer um mínimo de bom senso e equilíbrio emocional. Nesses tempos estranhos, em que o desenvolvimento tecnológico atingiu níveis nunca antes vistos e alterou seriamente o ritmo das coisas, os desvios do comportamento humano carecem de correções e redirecionamentos. É tempo de reflexão.


(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista em Marialva/PR.         

Foto: Teo Zacj/Unsplash