De avós para netas, a herança empreendedora

Mulheres vencem obstáculos e alcançam sucesso à frente dos negócios, em Apucarana, cidade que se destaca no empreendedorismo feminino no Paraná; acima, Patrícia Faria, de uma lojinha de 16 metros quadrados a outras no centro daquela cidade e sucesso de vendas na internet
Texto e fotos Donizete Oliveira
Um, dois, três, quatro, cinco macinhos… conferia Eusébio, que os preparava para vender em Jardim Alegre, no Vale do Ivaí. Eram macinhos de ervas usadas no tempero de comidas. Outro dia, ele lotava uma carriola de verduras e levava até a cidade para atender à freguesia. O dinheiro ajudava na economia doméstica. O esmero ao plantar, colher e ajeitar os produtos refletia no gosto dos fregueses, que compravam e encomendavam mais para a semana seguinte. O incansável Eusébio trabalhava de sol a sol para atendê-los com uma mercadoria fresquinha e sem agrotóxico, direto da horta.
Os anos se passaram. Eusébio e sua mulher, Alice, não estão mais entre os vivos, mas a herança empreendedora ficou. Ao menos para a neta Patrícia Mara Faria Fermino. Nascida em 1977, ela se mudou com a família para o Núcleo Habitacional Castelo Branco, em Apucarana. Aos nove anos, não era tão apegada às brincadeiras infantis. Sob os olhos atenciosos da mãe Maria Elena Ceranto Faria, vendia produtos de beleza de uma famosa marca. Andava na vizinhança com uma sacola de perfumes, cremes, batons e xampus. Conciliava a atividade com a escola. Raramente, ficava um dia sem vender alguma coisa.
Não demorou, Patrícia passou a viajar ao Paraguai com os pais em busca de roupas (lingerie), aparelhos de som, brinquedos e outros produtos, que ajudava a vender pelas ruas do Castelo Branco. “Ir de casa em casa aprimorou meu dom de vender, me deu experiência e me permitiu conhecer mais pessoas”, conta. Na falta de outras mercadorias, embalava pacotinhos de alho e ia vender. Mas a mãe não dava corda à vendedora que se revelava. Se ela quisesse uma roupa podia pegar do estoque, mas tinha de assinar uma promissória e pagar, igual aos clientes. “Entender que nada vem fácil me ajudou a trilhar o caminho do empreendedorismo”, reflete.
Consórcio – Com 16 anos, ela montou um grupo de consórcio, cujos prêmios eram mercadorias que trazia do Paraguai. O dinheiro arrecadado e o montante das vendas lhe permitiram construir um puxadinho na frente da casa. Num espaço de 16 metros quadrados, nascia a primeira loja, onde comercializava os produtos. A maioria dos clientes era do próprio Castelo Branco. Patrícia não arredava pé da loja. Para aliviar a correria entre um atendimento e outro, descansava num colchãozinho atrás do balcão. O movimento crescia e, em dois anos, o espaço ficou pequeno. “A cada cliente eu vendia e anunciava as novidades que chegariam, prevendo futuras vendas”, diz.
Após aprovação da mãe, ela aumentou a lojinha para 36 metros quadrados. Em um acordo com a avó que morava ao lado, trocaram a casa dela por uma dos fundos e na frente instalaram a nova loja. Mas o movimento continuava a crescer e exigia nova ampliação. Com ajuda de seu irmão Antônio Carlos Faria, venderam alguns carros e construíram uma loja de 100 metros quadrados. No ramo de confecções, perfumaria e similares se tornou a primeira grande loja fora do centro de Apucarana. Para quem morava naquela região da cidade virou ponto de referência. Uma façanha numa época em que o comércio dos bairros da cidade era pouco desenvolvido.
No centro e na internet – Após alguns anos, com ajuda do marido, ela montou uma loja de roupas no centro de Apucarana. O ano era 2001; a loja de 32 metros quadrados nascia com o novo século. Logo contratou a primeira funcionária e, em dois anos, a segunda. As vendas deslancharam. Em sociedade com o irmão, apostou em um novo filão, uma loja de produtos infantis. “O conhecimento e a clientela que fizemos na loja da periferia foram fundamentais para o sucesso no centro”, afirma. “O pessoal conhecido vinha e trazia outros clientes”. Mas o acúmulo de funções os fizeram fechar a loja do Castelo Branco.
Motivada, Patrícia não cessou os investimentos no ramo. Hoje, entre sociedade e proprietária única, comanda lojas nas área de roupas infantis, roupas femininas, lingerie, enxovais, sapatos e semijoias. Na internet, viu nova oportunidade. No Paraná, é considerada pioneira na produção de “live shops”, iniciadas na pandemia de COVID-19. A novidade conquistou telespectadores e clientes. Cada apresentação reunia em média 120 pessoas.
Diz que naquele momento em que as lojas físicas encontravam dificuldades, descobriu um novo canal de vendas. As live semanais continuam no Instagram onde ela mantém a página “Live Shop da Paty Dizare” com 175 mil seguidores. Não por acaso, é conhecida por “rainha das live”. E não parou aí. Patrícia Faria virou marca de semijoias, que, agregadas às demais mercadorias, completam o sucesso de vendas.

Prêmios e homenagens – Sucesso que lhe renderam prêmios e homenagens. Em 2024, a Câmara Municipal de Apucarana a homenageou com o “Prêmio Mulher Destaque”. “Por ter se destacado e prestados relevantes serviços à sociedade apucaranense”, diz o certificado entregue em sessão solene. Em 2022, Patrícia recebeu o “Prêmio Mulher Empreendedora”, em Foz do Iguaçu. Promoção da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio-PR), por meio da Câmara da Mulher Empreendedora e Gestora de Negócios (CMEG).
Em entrevista ao jornal Tribuna do Norte, a empresária disse: “Foram momentos bons, difíceis, mas vividos com amor e carinho, porque faço meu trabalho com muita dedicação. Então, esse troféu é um forma de reconhecimento e estou muito feliz em recebê-lo”.
Às mulheres que estão se iniciando ou pretendem se empreender, Patrícia aconselha a começar pelo básico. “Não sintam vergonha ou medo de começar como sacoleira, indo de porta em porta, usando as redes sociais, mas também procurem se informar, buscar aprendizado, aperfeiçoamento”, afirma. “Não é fácil, mas não impossível, e as coisas só vão acontecer se a gente fizer, experimentar, repetir, ajeitar, até dar certo, sempre resiliente, com resistência e equilíbrio frente às dificuldades”.
Avós inspiraram neta – Salgados ajeitados um a um numa cesta. Na rua, ia de casa em casa até esvaziá-la. A rotina fazia parte da vida de dona Geraldina, uma vendedora de salgados. Com o dinheiro, que ajudava na renda familiar, ela comprava móveis e utensílios usados em casa. Por anos, aqueles salgados lhe deram sustentação financeira. Mas Geraldina era uma vendedora diferenciada. Vendia-os quentinhos ao gosto dos clientes e não falhava. Batia aquela fome, e eles esperavam pelos salgados que logo chegavam. O marido dela, Sebastião, ajudava a complementar a renda doméstica com as corridas de táxi e fabricação de vassouras caseiras.
O dom empreendedor dos avós inspirou a neta Francieli Ferreira da Silva de Camargo. Nascida em 1990, em Apucarana, nunca imaginou ser dona do próprio negócio, mas admirava a avó que complementava a renda de casa com a venda de salgados. Após concluir o ensino médio prestou vestibular para ciências biológicas. Aprovada, imaginou que seria uma profissional da área, se dedicando ao estudo das diversas formas de vida. Após alguns anos, descobriu que nada tinha a ver com a futura profissão. Mas fez questão de concluir o curso porque não queria perder o dinheiro que havia gasto nas mensalidades.
Formada, arrumou trabalho numa loja de móveis. Na função de vendedora, sentiu que levava jeito para lidar com gente. Quase sempre concluía as vendas que iniciava. Bem informada sobre o produto, persuadia o cliente. Na sequência, se tornou recepcionista de uma escola de idiomas. Em 2016, se casou com Uilian Jacinto de Camargo. O casal se mudou para Califórnia. O marido dela tinha uma propriedade rural no município vizinho de Marilândia do Sul, na qual cultivava tabaco. Francieli trabalhava numa fábrica de baterias.
Porta em porta – No local de trabalho, fez várias amizades. Uma das funcionárias que conheceu vendia semijoias. Numa prosa fora do expediente, ela lhe ofereceu para vender à noite e nos fins de semana. Francieli aceitou. O marido à levava de carro às casas das clientes. Passaram-se uns meses, e ela estava ganhando mais com as comissões das semijoias do que no trabalho diurno. Pediu demissão e se dedicou ao negócio, com expressivo aumento de vendas. “Eu me dedicava muito, ia de porta em porta, explicava detalhes do produto, fazia a cliente se sentir satisfeita e feliz com a compra”, relata. “Nunca vendi brincos, anéis, colares, gargantilhas, pulseiras, vendia e continuo a vender autoestima e felicidade”.
Incentivada pelo marido, Francieli percebeu que chegara o momento de criar uma marca. Logo lhe veio à mente a palavra “novidade”. Após muita reflexão escolheu “Novitá”, a marca com a qual trabalha até hoje. Mas precisava de um bom fornecedor para lhe entregar a mercadoria. Conseguiu em Londrina. O passo seguinte foi instalar uma loja numa galeria, mas queria um local de saída para a rua. Aí entrou o sócio com o qual está até hoje, que a ajudou na instalação. A loja funciona no centro de Apucarana. Com duas funcionárias, o movimento é constante. “Ao olhar no retrovisor, vejo que a caminhada foi longa, mas valeu a pena porque além das conquistas ganhei experiência para levar adiante minha atividade”, afirma.

Live alavancam vendas – Caminhada que experimenta outros trajetos. A internet é o principal deles. Francieli se especializou em live para vender semijoias. Ela as apresenta direto de um dos seus fornecedores; as sobras são vendidas na loja. Cada live tem cerca de 300 telespectadores. Em Apucarana e região, ela representa a pedra moissanite. Um mineral lapidado em laboratório com características ópticas semelhantes às do diamante, mas com um custo acessível, que varia entre R$ 400 e R$ 5.000,00. “Portanto, a mulher que quer uma joia de qualidade vai pagar um preço que cabe no orçamento dela”, diz. Outro meio de vendas que ela utiliza são os grupos de Whatsapp. “É o espaço das novidades, que proporciona ótimas compras com segurança e transparência”.
Para quem começa ou pretende começar no ramo de vendas, Francieli recomenda paciência e aprendizado. Ela explica que o resultado não vem da noite para o dia. É preciso persistência, mas com aperfeiçoamento no ramo daquilo que se quer vender. Para ela, um dos caminhos é o Sebrae que oferece as diretrizes para um empreendedorismo seguro, evitando a desistência nos primeiros passos. “No ramo de vendas, o ‘porta em porta’ é o indicado”, diz. “Não se pode criar ilusões, querendo conquistar coisas que só vêm com o tempo”. E, claro, acrescenta, não se esqueça da internet, um meio que está aí para ajudar. “No caso das vendas, bem usado, traz ótimos resultados”.
Apucarana se destaca – Na avaliação do consultor do Sebrae, em Apucarana, Tiago Correia da Cunha, 39 anos, o percentual de mulher empreendedoras no município chega a 50%. Para ele, o empreendedorismo feminino cresce porque as mulheres aprenderam a vencer as adversidades, superando os maus momentos. “A maioria sabe que é um desafio e se prepara, quer seja no Sebrae ou em outra instituição, buscando meios para enfrentar as dificuldades”, afirma. Ele diz que muitas se reinventam no negócio transformando-o num meio viável. “Daí a importância da resiliência frente à aquilo que se faz, superando as barreiras que podem atravancar o caminho escolhido”.
No Brasil, a maior parte dos novos CNPJs é aberto por mulheres. Em Apucarana, também. Para refletir sobre a força do empreendedorismo feminino, Apucarana realizou este ano o “Mulheres que Movem”, evento que reuniu mais de 200 mulheres. Programas são desenvolvidos no município, como o Economia Solidária e Protagonismo Feminino, que oferece suporte e orientação para mulheres que desejam empreender na economia solidária. A Câmara da Mulher Empreendedora de Apucarana é outro programa. O objetivo é organizar encontros de negócios, que visam a troca de experiências, a formação de redes de colaboração e o empoderamento feminino no empreendedorismo.