‘Abrigos não são depósitos de gente’

O absurdo da convocação e rodízio de profissionais não capacitados para atuar em abrigos de crianças
Do leitor:
É no mínimo alarmante a prática, cada vez mais frequente, da convocação e do rodízio de servidores públicos da assistência social para atuar em abrigos institucionais sem qualquer preparo técnico, tampouco o devido adicional de insalubridade. Trata-se de uma medida que ignora completamente a complexidade e a delicadeza do trabalho com crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional.
Abrigos não são depósitos de gente. São espaços que exigem cuidado, sensibilidade, ética e, sobretudo, a construção de vínculos. O vínculo é a base para qualquer possibilidade de escuta, acolhimento e diálogo com crianças que, muitas vezes, já vivenciaram rupturas, violências e abandono. Inserir profissionais de forma rotativa, sem formação adequada e sem preparo emocional, é reproduzir mais uma forma de negligência institucional.
Além disso, a ausência de capacitação específica compromete não só o atendimento oferecido, mas também a saúde mental dos próprios profissionais. São exigências emocionais, físicas e éticas que extrapolam qualquer função administrativa genérica. O mínimo que se espera é a oferta de formação continuada, suporte técnico e o reconhecimento das condições insalubres que envolvem essa atuação.
A lógica do rodízio compromete a continuidade do cuidado. Crianças e adolescentes em acolhimento precisam de rostos conhecidos, de referências estáveis. Quando essa estabilidade é trocada por um modelo improvisado e precarizado, o Estado falha mais uma vez em sua função protetiva.
É preciso dizer com todas as letras: essa prática é desumana, injusta e ineficaz. A política de assistência social não pode seguir sendo tratada como um campo onde tudo se improvisa e se empurra com a barriga. É urgente o respeito às especificidades da função, o reconhecimento da complexidade da tarefa e o compromisso ético com os sujeitos atendidos.
Foto: Van Leer Foundtion