Jurídico dá parecer negativo para projeto que propõe placas com Dez Mandamentos

Procuradoria Jurídica aponta inconstitucionalidade em proposta de vereadora do PP e considera que não ele deve tramitar; autora parece ignorar existência do Monumento à Bíblia, com os Dez Mandamentos, na praça da prefeitura
A reunião de amanhã da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Maringá deve rejeitar o projeto de lei da vereadora Giselli Bianchini (PP), que prevê a instalação de placas com os Dez Mandamentos “conforme descritos na tradição judaico-cristã,” em locais de uso comum, como praças, terminal urbano e órgãos e repartições públicas. Bianchini, que tem registro na OAB, destaca-se pela proposição de projetos inconstitucionais ou que já existem em níveis federal e estadual. E, acreditem, ela é vice-presidente da CCJ.
A rejeição da proposta deve acontecer por conta de parecer da Procuradoria Jurídica do Legislativo. Para a PJ, o projeto não está apto a tramitar por uma série de razões. A autora, corretora de imóveis, já foi candidata a deputada estadua e deve ser candidata novamente em 2026, tornou-se conhecida após comandar atos antidemocráticos defronte o Tiro de Guerra. Ela aparenta desconhecer a existência de um Monumento à Bíblia, com os Dez Mandatos, no Centro de Convivência Renato Celidônio, na frente da agência central dos Correios e próximo ao paço municipal.
O parecer jurídico do projeto, em resumo, leva em consideração que não há interesse local da proposta e cita decisão do Supremo Tribunal Federal em julgamento da ADI 3.691, de relatoria do ministro Gilmar Mendes. “No caso em exame, não há particularidade ou necessidade local que justifique a determinação pretendida pela presente proposição, motivo pelo qual o interesse local resta ausente”.
Há ainda a falta do juízo de legalidade, pois “não é possível constatar uma necessidade imediata do município apta a justificar a existência de interesse local na determinação pretendida na proposição em análise. A instalação de placas com os Dez Mandamentos representa um incentivo a doutrinas religiosas específicas e, por consequência, é incompatível com o disposto no artigo 8º, inciso I da Lei Orgânica, uma vez que é vedado ao município “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento e com eles ou seus representantes manter relações de dependência ou aliança, preferência ou exclusividade, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
O projeto é considerado inconstitucional. Diz o parecer: “De início, deve-se destacar que a Constituição de 1988 consagrou a competência do município para legislar acerca de questões de interesse local, ou seja, necessidades imediatas que surjam a partir da conjuntura regional. No caso em exame, não é possível avistar qualquer relação entre a instalação de placas com os Dez Mandamentos em locais públicos e eventual necessidade pontual deste município.
Além disto, o texto constitucional proclamou expressamente a laicidade estatal e proibiu o poder público de “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança”.
O projeto em análise, entretanto, pretende estimular determinada doutrina de fé a partir da instalação de placas com respectivos preceitos confessionais. Neste sentido, seria possível considerar, mesmo que indiretamente, uma ofensa ao disposto no arigo 19, inciso I, da Constituição Federal de 1988″. Além da questão da laicidade estatal, o parecer lembra que o Judiciário já entendeu como inconstitucionais leis que instituíam medidas, como datas comemorativas, relacionadas a doutrinas confessionais.
O parecer ainda faz uma ressalva técnica: o hoje procurador de justiça Maurício Kalache, quando promotor, em 2015, havia sugerido a disponibilização de um painel para que outros credos religiosos, querendo, pudessem expressar seus símbolos e também alterações no regimento interno para deixar claro que o momento da abertura das sessões é um ato administrativo e solene (aí sem evocações religiosas) e que, em seguida, será facultado ao presidente evocar a proteção de Deus e convidar vereador para proceder à leitura de um texto sagrado.
“Caso fosse aplicado o mesmo entendimento do Ministério Público ao caso em análise, seria necessário possibilitar a instalação de placas com textos confessionais de outras religiões, assegurando-se a igualdade entre as diferentes confissões de fé”, observa o parecer.
Foto: Google Street View