De Maringá a Brasília: Estado mínimo para os outros é refresco

A economia nos custos do Legislativo foi uma marca da gestão anterior de Mário Hossokawa — algo muito monitorado e cobrado pela sociedade civil organizada, que parece estar mais acanhada nos últimos meses

Por JOEL JUNIOR CAVALCANTE

Na última semana, tanto a política em Maringá quanto em Brasília girou em torno da questão dos gastos. Na capital federal, o Congresso Nacional derrubou o decreto sobre o IOF. A longa novela do tributo se encerrou com uma declaração de guerra do Congresso ao governo Lula.

Nesse cabo de guerra, de um lado, o governo — representado por um Fernando Haddad descabelado, abatido e com olheiras e de um Lula não mais resignado como outrora e em queda livre nas pesquisas— entoa o mantra da justiça tributária: é preciso tirar de quem tem mais para equilibrar as contas públicas. Do outro lado do ringue, o empertigado Congresso alega a reiterada taxação e os impostos que penalizam a classe média e os setores produtivos.

O fato é que a eleição de 2026 já começou. A semana passada, sob as fogueiras das festividades de São João, marcou o aumento da temperatura e da cizânia entre o Congresso e o Planalto. Houve quem caiu na fogueira e saiu chamuscado. A ruptura, em um parlamento dominado por empresários rentistas, tem tons de uma traição anunciada. Hugo Motta e Davi Alcolumbre, após uma “reunião histórica” com Haddad — e diante dos inúmeros recuos do Planalto — romperam o acordo dias depois, pressionados pelo mercado financeiro e pelos interesses eleitorais que se avizinham.

Aqui em Maringá, a presidente da Câmara, eleita com o perfil de jovem empreendedora, defensora do Estado mínimo e da racionalidade nos gastos públicos, enfrenta resistência da própria base que a elegeu diante da proposta de criação de novos cargos no Legislativo. Os salários exorbitantes dos vigias e suas horas extras astronômicas também desafiam o discurso de austeridade e acendem o alerta. Vale lembrar que a economia nos custos do Legislativo foi uma marca da gestão anterior de Mário Hossokawa — algo muito monitorado e cobrado pela sociedade civil organizada, que parece estar mais acanhada nos últimos meses. Um silêncio ensurdecedor ecoa no debate público municipal chama a atenção.

O ponto central é que o discurso de austeridade e responsabilidade fiscal, tão defendido pelo Congresso, foi evocado no mesmo dia em que o Senado aprovou o acréscimo de mais 18 deputados federais — o que, a partir da legislatura de 2027, representará um gasto adicional de mais de R$ 90 milhões aos cofres públicos. Detalhe: o STF, com base no Censo de 2022, recomendou apenas a redistribuição das 513 cadeiras já existentes, considerando o crescimento populacional de algumas unidades federativas.

O cenário é de terra arrasada, mas também de um filme conhecido: um Congresso ávido por emendas, um parlamento que se apropriou do orçamento público, tentando fortalecer suas bases com vistas às próximas eleições, pressiona o Executivo com a faca no pescoço. O objetivo é claro: sangrar o governo até 2026.

O governo, por sua vez, decidiu partir para o embate. Está apostando na comunicação direta, defendendo que é preciso repartir a conta dos gastos. Para a base de esquerda, o governo finalmente compreendeu que não é possível conciliar os interesses da Faria Lima, do avarento Congresso e do mercado com uma agenda que atenda de fato aos interesses da população brasileira — especialmente os mais pobres.

Como já propalado até pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (neoliberal ou social democrata?): quando a justiça tributária e o imposto progressivo vêm à tona num país com desigualdade abissal, o Congresso se reorganiza sob a égide do mercado e de sua “mão invisível”.

Em Maringá, o discurso de que os cofres da prefeitura estão zerados serve bem na disputa política com a gestão anterior. Na prática, no entanto, viagens, contratações de cargos comissionados e horas extras questionáveis revelam a incongruência. Já diria o bom e velho Sartre: o inferno são os outros. Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei — e o “equilíbrio das contas públicas”.


(*) Joel Júnior Cavalcante é sociólogo, professor e comentarista político

Imagem gerada por IA/Copilot