O último acorde?


O rock não acabou. Mas perdeu o monopólio da revolta
Mesmo que o Dia “Mundial” do Rock seja celebrado apenas aqui no Brasil, uma coisa é fato: o ritmo estrangeiro caiu bem nos trópicos. E como tudo que vem de fora, damos um jeito de melhorar. Da pizza ao cachorro-quente, das guitarras distorcidas aos gritos por liberdade.
O rock brasileiro, o chamado rock Br oitentista teve grande influência em minha formação e visão de mundo. foi mais que som: foi formação, foi linguagem, foi resistência. Em um país que se redemocratizava, bandas como Legião Urbana, Titãs, Barão Vermelho e Ira! foram bússolas de uma juventude que buscava um norte em meio aos escombros após 21 anos de ditadura. Renato Russo bradava “Que país é esse?” — e não era só uma pergunta retórica. Era grito. Era esperança de soberania num país saqueado de si mesmo, mas também um país ávido e grávido de tempos melhores vindouros. De soberania, de cidadania. Como dizia José Murilo de Carvalho: “a cidadania estava na boca do povo”, “o povo quer, a cidadania quer”, a esperança de um Brasil do futuro.
O rock, antes de ser música, foi uma forma de ver o mundo. Um jeito torto, intenso, livre. Como o anjo torto do Drumond, que orientou ser gauchè na vida. Um pacto informal com a rebeldia. Um cântico à eterna juventude, uma rebeliao, uma revolta dos escravos, uma convulsão social propalada por uma juventude que denunciava os desajustes e contradições do mundo. Nunca foi conservador — pelo contrário, nasceu pra quebrar estruturas, desafiar os bons costumes, questionar o sistema. Um dia alguém deve escrever um romance tragicômico sobre os roqueiros conservadores da atualidade.
Mas o tempo, ah, o tempo…e sua metamorfose ambulante. Impossível dançar duas vezes sob o mesmo acorde, nós não somos os mesmos, o acorde também não.
Hoje, o rock amadureceu. Cresceu. Ainda usa camiseta preta, mas tem algumas rugas, entradas, sinais do tempo. Vai a shows com espaço kids, leva os filhos pra ouvir Ramones no volume moderado. O All Star surrado virou nostalgia. O público roqueiro, que um dia sonhou em mudar o mundo, agora faz PIX e precisa de uma cadeira para sentar. Paga boleto. Leva lancheira com suco, repelente, protetor e bolacha pro festival.
E os adolescentes de hoje? A juventude que era uma banda em uma propaganda de refrigerante já está em outra. Foram capturados pelo trap, rap, k-pop, funk, pelos beats da música eletrônica e olhos baixos no TikTok. Não usam mais flanela, all star, jeans surrado nem falam em revolução. Mas sentem a mesma dor. Carregam outras revoltas. Gritam com outras vozes.
O rock errou?
O rock não acabou. Mas perdeu o monopólio da revolta.
Hoje, ele vive em paralelo, esquecido pela indústria fonográfica e pelo mainstream. Às vezes como memória. Às vezes como trilha sonora de pais cansados e nostálgicos, mas nunca desesperançados. Às vezes como herança. Outras vezes, como fogo esperando lenha nova pra queimar.
(*) Joel Júnior Cavalcante é professor, sociólogo e comentarista político
Foto: Yabee Eusebio/Pexels