O dia em que a paisagem ficou negra

A maioria foi pega de surpresa. Naquele tempo, as previsões do tempo eram pouco divulgadas. Nem havia como proteger as plantações

Tudo esturricado. A molecada esfregava as mãos com um punhado de folha ao meio. Um pó preto caía ao chão. Pelos carreadores, as pessoas se reuniam. Proseavam, se lamentavam, alguns choravam. Naquele tempo, a roça era abarrotada de gente. Os sítios se avizinhavam com as casas de madeira. Ninguém esperava pelo frio do dia 18 de julho de 1975. Na boca da noite anterior, um vento seco soprava, dando a entender que o frio arrochava. As pessoas evitavam sair para fora. O vento cortava a face, que ficava avermelhada.

Da surpresa que tivemos ao acordar de manhã já contei numa crônica. Mas a tristeza não terminava ali. Os dias que se sucederam à geada, chamada negra, porque congela até o talo das plantas, matando-as pela raiz, foram terríveis. Naquele tempo, tudo que se fazia dependia do café. Arroz, feijão e milho eram plantados para consumo. O café, a gente vendia. A colheita era esperada com alegria. Dela vinha o dinheiro para as necessidades básicas da família.

Meu pai, José Alves, que chamavam de seu “Arvi” ou Paulistão, guardava o dinheiro em um saco plástico ao fundo de uma mala de roupa. Se estivesse longe da colheita de café, ele se virava vendendo algum capado do chiqueiro e frangos. No terreiro imenso, havia um bando deles. Vez ou outra, ele jogava milho num cercado. Lá vinha a galinhada. Pegava uns dez frangos de porte, fazia peias de palha e os pendurava numa vara. Punha nas costas e caminhava a passos largos até a cidade. Minha mãe fazia uma listinha oral de compras. Com o sol quase tragado pelo horizonte, voltava ele com um saco branco nas costas. As compras estavam ali.

Nos dias que se sucederam à geada negra, naquele 18 de julho de 1975, ouviam-se muitos lamentos. E não era para menos. Gente como o Luizão da Chica, filho de uma mineira contadora de causos, fazia planos. Acertaria com o patrão, venderia a parca mudança e iria para São Paulo trabalhar numa montadora de carros. Destino que também tomou meu irmão mais velho. A geada foi o tiro de misericórdia no café. O preço já vinha caindo, desvalorizado pela política do governo.

A maioria foi pega de surpresa. Naquele tempo, as previsões do tempo eram pouco divulgadas. Nem havia como proteger as plantações. Ficamos um tempo sem comer verduras. A horta queimou tudo. Após a geada, a gente notava mais gente caída pelas estradas. Aumentara o consumo de bebida alcoólica. Ouvimos falar até em suicídios. Gente que perdeu muita coisa. A gente perdeu, mas seguimos em frente. Os que foram para São Paulo, uma parte voltou. Não se adaptou à cidade ou foi demitido na crise do final dos anos 1970. Meu irmão foi um dos que retornaram.

18 de julho, dia em que faço anos, mas uma data triste, que marcou nossas vidas. O dia em que a paisagem ficou negra…

Foto: SescPR