Encontro com Luís Fernando Veríssimo


O consagrado escritor gaúcho, que morreu em 30 de agosto de 2025, nos concedeu uma entrevista, em 2018, na qual fala de literatura, tecnologia da informação, criação literária, política, entre outros assuntos, na sua charmosa e histórica casa, que pertencera a seu pai Érico Veríssimo, no bairro Petrópolis, um dos mais tradicionais de Porto Alegre; na foto, ao fundo, em meio a outros objetos, o busto do seu pai
Manhã de sol em Porto Alegre. O carro do Uber, um Fiat argo branco, é rápido. Estávamos longe. Não anotei os quilômetros. Embarcamos e em 16 minutos estávamos no bairro Petrópolis, um dos mais tradicionais da capital gaúcha. As atrações da Rua Felipe de Oliveira, não são apenas as extremosas, com suas frondosas pencas de flores, que quase tocam a calçada. Nela também está a casa do escritor Luís Fernando Veríssimo. Desembarcamos, nos despedimos do motorista, tocamos a campainha, Lúcia, mulher de Veríssimo, nos recepciona.
Simpática e solícita, ela nos conduz ao escritório que pertencera a Érico Veríssimo, pai de Luís Fernando. Ali está a biblioteca do autor de “O tempo e o vento”, móveis antigos, adereços e lembranças de viagens. Comigo estão o padre Décio, de Sarandi, o fotógrafo Breno e o estudante Lucas, de Maringá. Acomodamo-nos, Veríssimo surge e manda servir um café. Não queria perder tempo, retiro meu gravador da bolsa e começo a entrevista, sentado ao lado dele numa cadeira preferida do seu pai, onde ele revisava seus escritos.
Aliás, quase tudo na casa lembra Érico, que a adquirira em 1942. Nascido em Porto Alegre em 26 de setembro de 1936, Veríssimo quase sempre viveu nela, exceto quando morou nos Estados Unidos com os pais, na infância e adolescência e, entre 1962 e 1966, no Rio de Janeiro. Na capital carioca, ele conhecera Lúcia, ambos eram funcionários da Câmara de Comércio do Rio de Janeiro. Casados em 1964, eles têm três filhos e dois netos.
Escritor, humorista, cartunista, tradutor, roteirista de televisão, autor de teatro, músico e cronista. Muitos de nós já nos deliciamos com alguma crônica de Veríssimo nos principais jornais brasileiros. É um personagem amplo, daqueles que de tanta informação deixa o jornalista comedido. Começo perguntando sobre seu contato com a escrita. Ele responde que começou tarde. Só aos 30 anos descobriu que sabia escrever. “Não é frase de efeito, não”, afirma. “Acontece que até aquela época eu não havia escrito nada. A não ser cartas e umas poucas traduções”.
A primeira experiência foi em jornais. Ele admite que possa haver alguma genética, embora não saiba até que ponto funciona essa passagem de vocação de pai para filho. “Na verdade, eu não sabia que sabia escrever”, diz. “Sempre fui um leitor voraz e como a gente aprende a escrever lendo, essa minha voracidade em relação aos livros foi boa, porque comecei a escrever com minha informação intelectual já pronta”. Afirma que o ofício lhe toma muito tempo, inclusive, de ler, mas diz que toda a leitura que tinha de fazer a fez até os 30 anos, quando começou a trabalhar. “Então, de certa forma foi bom começar tarde”.
Suas influências foram os cronistas brasileiros. Ele cita Rubens Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Antônio Maria. A literatura americana e inglesa também. Alfabetizado em inglês, dos sete aos 14 anos e dos 16 aos 20 anos, ele morou nos Estados Unidos. Por lá também, estudou música, aprendeu a tocar jazz e, por muitos anos, participou de uma banda com amigos. “Dei uma parada por causa de alguns problemas de saúde”.
As novas tecnologias, diz não temê-las, pois o autor sempre vai existir, acredita. Nada o substitui. Dizem que o livro pode até acabar, mas a arte vai prevalecer, sempre. Talvez, por isso, para ele, o escritor deve ser uma espécie de antena de sua geração, do seu tempo. “Captar as coisas, tentar explicá-las e manter sempre viva essa ideia de liberdade”, afirma. No entanto, Veríssimo se mostra cético ao falar da influência do artista nos destinos do mundo. “As coisas se decidem de outro modo. Não é pela sensibilidade, pela arte, enfim, pelo que a gente gostaria que fosse”.
Autor de dezenas de livros de crônicas e alguns romances, Veríssimo mantém uma rotina diária de trabalho. Escreve três crônicas por semana que são publicadas em vários jornais. Começa a escrever pela manhã e se estende até a tarde, sobrando pouco tempo para a leitura. Naquele dia em que visitamos, ele lia “O túnel dos pombos”, livro de memórias de John Le Carré, um dos seus escritores preferidos.
Para concluir, ele fala de política, enfocando um assunto que o preocupa: a nostalgia da ditadura. Talvez quisesse dizer sobre a ditadura militar o que escrevera numa de suas recentes crônicas: “Nostalgia por um tempo de ordem e probidade que nunca existiu. Havia corrupção como agora, com um coronel à frente de cada estatal, mas não era permitido investigá-la”, ressaltou. No mesmo texto, completou: “A verdadeira história da ditadura ocorria nos porões em que presos políticos eram torturados e assassinados e nos jornais censurados para que nada disso fosse revelado. E tem gente com saudade desse tempo”.
Segundo ele, o Brasil precisa sair do beco em que se meteu politicamente. Elogia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (a entrevista foi antes da prisão do líder petista), qualificando-o de grande líder, mas não arrisca opiniões fechadas sobre o cenário político nacional. “Não sabemos o que vai acontecer, está tudo muito indefinido”, diz. Novamente, vêm à tona seus escritos; ou melhor, um desenho seu publicado no livro “Encontro Marcado com Luís Fernando Veríssimo”, do jornalista Araken Távora. Alguém aconselha o Papai Noel: “Evite o Brasil. Lá eles não estão acreditando em mais nada”. A publicação é da década de 80, mas atual.
Principais obras
O Popular, crônicas, 1973
A Grande Mulher Nua, crônicas, 1975
Amor Brasileiro, crônicas, 1977
O Rei do Rock, crônicas, 1978
Ed Mort e Outras Histórias, crônicas, 1979
Sexo na Cabeça, crônicas, 1980
O Analista do Bagé, crônicas, 1981
A Mesa Voadora, crônicas, 1982
Outras do Analista de Bagé, crônicas, 1982
O Gigolô da Palavras, crônicas, 1982
A Velhinha de Taubaté, crônicas, 1983
A Mulher do Silva, crônicas, 1984
A Mãe de Freud, crônicas, 1985
O Marido do Doutor Pompeu, crônicas, 1987
Zoeira, crônicas, 1987
O Jardim do Diabo, romance, 1987
Noites do Bogart, crônicas, 1988
Orgias, crônicas, 1989
Pai Não Entende Nada, crônicas, 1990
Peças Íntimas, crônicas, 1990
O Santinho, crônicas, 1991
Humor Nos Tempos de Collor, crônicas, 1992
O Suicida e o Computador, crônicas, 1992
Comédias da Vida Privada, crônicas, 1994
Comédias da Vida Pública, crônicas, 1995
Novas Comédias da Vida Privada, crônicas, 1997
A Versão dos Afogados, crônicas, 1997
Gula – O Clube dos Anjos, romance, 1998
Aquele Estranho Dia Que Nunca Chega, crônicas, 1999
Histórias Brasileiras de Verão, crônicas, 1999
As Noivas do Grajaú, crônicas, 1999
Todas as Comédias, crônicas, 1999
Festa de Criança, infanto-juvenil, 2000
Comédias Para Se Ler Na Escola, crônicas, 2000
As Mentiras que os Homens Contam, crônicas, 2000
Todas as Histórias do Analista de Bagé, contos, 2002
Banquete Com os Deuses, crônicas, 2002
O Opositor, romance, 2004
A marcha, crônicas, 2004
A Décima Segunda Noite, romance, 2006
Mais Comédias Para Se Ler Na Escola, contos, 2008
Os Espiões, romance, 2009



(Reprodução: acervo da família)


Texto e fotos: Donizete Oliveira