Tudo a ver com Londrina

Opinião é igual àquele negócio que todo mundo tem atrás — e alguns nem limpam direito

Os últimos acontecimentos no Rio de Janeiro criaram nas redes mais um campeonato de narrativas: ou você está do lado da polícia, ou defende bandido — como se, no Rio, houvesse tanta diferença assim…

Uns dizem que as condições sociais levam os jovens ao crime. Outros afirmam que viver no caos não é desculpa para se tornar bandido. Esses até justificam: “a maioria, nas mesmas condições, escolheu caminhos dignos, como lavar as patentes dos mais afortunados”.

Honesto, com certeza. Digno? Bem, opinião é igual àquele negócio que todo mundo tem atrás — e alguns nem limpam direito.

Ocorre que, em nações desenvolvidas, onde a palavra dignidade tem sentido pleno, é difícil contratar outro ser humano para certos serviços, tamanha é a pequena diferença entre o salário do chão e o do alto escalão. Já no Brasil, muitas mulheres — mães e chefes de família — veem na “dignidade laboral” apenas a permissão para trabalhar muito e continuar sem oferecer aos filhos o mínimo.

Esqueça o Rio. Olhe para a nossa célula: Londrina.
O tênis da moda entre a criançada é o Vans; alguns modelos passam dos oitocentos reais. Para muitas dessas trabalhadoras da higiene alheia, parcelar em seis vezes um tênis para o filho significa uma semana por mês sem mistura na mesa, durante meio ano.

Não se preocupe com a mãe — ela já aceitou o caminho da “dignidade”. O problema está nessa criança, nesse adolescente faminto pelo tênis que a mãe não pode comprar. É nele que ainda vivem os sonhos, e sonhos, enquanto não morrem, são péssimas companhias.

E você pode se perguntar: o que isso tem a ver com Londrina?
Eu te digo: tudo.
Porque toda ação capaz de saciar os sonhos dessas crianças conduz nossa cidade a um futuro mais seguro. E, nesta semana, a Câmara de Londrina discutirá, em audiência pública, o orçamento municipal — e o corte de 17 milhões na assistência social.

Esse corte pode custar caro.
Não em manchetes do Rio de Janeiro.
Mas em corpos — aqui, em Londrina.


(*) Israel Marazaki — fiscal por instinto, cronista por raiva e sentinela por missão

Foto: Tania Rêgo/Agência Brasil