A mentira na era Trump


O leitor se surpreende com a narrativa que coloca diante dos olhos um roteiro que se repete no segundo mandato de Trump e em outros governos comandados pela extrema direita
É um livro de fácil leitura. Daqueles em que a gente bate o olho e se atém. “A morte da verdade – Nota sobre a mentira na era Trump” analisa o primeiro mandato do republicano, mas também vale para o atual. Michiko Kakutani, a autora, cita clássicos que denunciam o totalitarismo e critica a atuação do governo americano. Por exemplo, a crise sanitária, na pandemia de covid, que jogou uma pá de cal na reeleição dele.
A primeira citação dela é de Hannah Arendt, que escreveu: “O súdito ideal do governo totalitário não é o nazista nem o comunista convictos, mas aquele para quem já não existe diferença entre o fato e a ficção”. Ela discute a disseminação de fake news na campanha que levou Trump à presidência, em 2016. Para ver como as relações diplomáticas e políticas são complicadas, cita o apoio da Rússia à primeira eleição de Trump. Moscou jogou pesado para lhe dar a vitória. Inclusive, com disseminação de mentiras. “Ganhar significava tudo: os fins justificam os meios”, grafa.
Dividido em nove capítulos, aborda também o “pós-modernismo”. A autora diz que Trump certamente nunca teve contato com Derrida, Lyotard, Baudrillard e que os pós-modernistas não podem ser culpados pelo niilismo corrente. Contudo, alguns dos seus conceitos simplificados se infiltraram na cultura popular, acredita. Diz que defensores dos republicanos os sequestraram e os usam como argumento para justificar mentiras óbvias. Estas, repetidas à exaustão, chegam ao imaginário popular, que as assimila como reais ou pressupostos para contestar verdades estabelecidas.
No capítulo “Apropriação da linguagem”, ela diz que Trump a utilizou (e utiliza) para disseminar desconfiança e discórdia. Como o Ministério da Verdade em, “1984”, de Orwell, tenta negar a existência da realidade externa e garantir que o Grande Irmão seja infalível. Para Kakutani, o governo Trump ao atacar a linguagem não se limita a mentir, mas abre fogo contra o Estado de direito. Ao fazer isso, conclui ela, ele substitui a linguagem da democracia pela a da autocracia. Exige-se lealdade não à Constituição dos Estados Unidos, mas a si próprio.
Em cada capítulo, o leitor se surpreende com a narrativa que coloca diante dos olhos um roteiro que se repete no segundo mandato de Trump e em outros governos comandados pela extrema direita. Kukutani é uma premiada jornalista estadunidense, que em 270 páginas joga luz num tema cada vez mais presente no século 21: as fake news. Que sempre estiveram aí, mas caíram como luva num mundo online e imediatista. Difícil é conter a velocidade desse fogo que avança sobre o capim seco numa longa estiagem.
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