Fazedores de crônicas


Textos leves, soltos e cheios de histórias e memórias. Que a gente lê em duas sentadas. Daqueles livros que os olhos e a mente pedem mais
Tenho uma doença crônica. Pressão alta. Tem tratamento. Cura, não. Todos os dias, tomo um remedinho. Que um cardiologista me receitou há 18 anos. Mas não é disso que vou falar. Vou tratar de uma crônica mais suave. A crônica jornalística. Dizem que é um gênero brasileiro. Em outros países não dão este nome a escritos semelhantes. Gosto de ler e escrever crônicas. Um dia andando pela Praça da República, em São Paulo, entrei num sebo. Ali perto tem vários. Vi na vitrine de promoções, um livro “Cronistas do Estadão”. Custava R$ 10. Pus na cestinha. Os clientes escolhem e colocam ali para pagar no caixa.
Organizado e editado por Moacir Amâncio, um livro delicioso. Uma crônica mais saborosa que a outra. De Olavo Bilac a Luís Fernando Veríssimo, textos para todos os gostos. Antes de cada crônica uma breve biografia de cada autor. Começa com Raul Pompeia “Da capital, Rio, 29 de fevereiro de 1892” e termina com “Já não se fazem mais bandidos como antigamente”, de Rachel de Queiroz. João Antônio em “Meus tempos de menino” descreve cenas da infância. “Posso dizer, com humildade orgulhosa, que tive morros e bondes no meu tempo de menino”, escreve. Com ele, aprendi uma nova palavra: “empaletozado”. Se diz de quem anda nos trinques.
Lygia Fagundes Telles mira nas miudezas em “Rosas num pote verde”. Descreve cenas de uma edição da Bienal do Livro. “Rosas num pote verde. Aproximai-vos delas, aproximai-vos e vereis que as bordas das pétalas estouram como lábios gretados na mais cruciante das sedes: a sede do amor”. Algumas páginas atrás, está Monteiro Lobato, com “Cidades Mortas”. “Emigra, deixando atrás de si um rastilho de taperas”. Guilherme de Almeida diz o contrário na primeira linha de “Deambulando”: “Um dia destes, deambulando calmamente pela rua agitada”… Paulo Francis com uma seca e filosófica prosa recorda o Natal e o Ano Novo. “Vendo na televisão os cristãos acompanhando as missas em Jerusalém foi uma madeleine para mim, um mergulho num passado de simplicidades e certezas que não voltam mais”, arremata a crônica “Boas festas”.
Textos leves, soltos e cheios de histórias e memórias. Que a gente lê em duas sentadas. Daqueles livros que os olhos e a mente pedem mais. Dali a pouco, o leitor chega à página 210. Acabou. Mas o sabor fica. Como não se lembrar de trechos iguais a este de Euclides da Cunha, em “Fazedores de desertos”. Muita gente alarmada com o aquecimento global, mas em 1901, o autor de “Os sertões”, afirma: “É natural que todos os dias chegue, do interior, um telegrama alarmante denunciando o recrudescer do verão bravio que se aproxima. Sem mais o antigo ritmo, tão propício às culturas, o clima de São Paulo vai mudando”. Final de outubro. O verão vem aí. Com temperaturas acima da média, avisam sites de previsões meteorológicas. Acabei de consultar.