Orgulho de ser caipira

De José Luiz Boromelo:
O termo caipira tem sido utilizado para designar as pessoas oriundas do meio rural e que apresentam certos comportamentos peculiares que os identificam de imediato, seja no modo de falar, vestir ou de caminhar. O dicionário o classifica ainda como um “indivíduo tímido, acanhado” e afeito às dificuldades da vida na roça. Pelo menos é dessa forma que os compositores há muito tempo descrevem o nosso sertanejo, decerto inspirados no estereótipo do personagem criado por Monteiro Lobato, o “Jeca Tatu”. A postura típica do matuto está igualmente representada de forma acentuada, com ênfase ao exagero de expressões e trejeitos imortalizados pelo impagável Mazzaropi. Essa mistura de componentes resultou na consolidação da imagem de um ser renitente e despojado de cultura, mas com uma carga expressiva de valores morais arraigados na alma, que transmitem uma alta dose de confiança aos seus interlocutores.
O cidadão das áreas urbanas carece de valores que o homem da roça cultua a cada dia. Seja no cumprimento espontâneo com um aperto forte de mão, seja no olhar sereno e tranqüilo ou na fala pausada e comedida. Essa condição o diferencia do homem urbano que vive a conturbada correria da vida moderna, sem tempo para apreciar as coisas mais simples da vida. O campo oferece uma qualidade de vida muito superior ao da cidade, porém cobra seu preço. A labuta diária é exaustiva e ao mesmo tempo gratificante. As marcas do sol ardente e da poeira da terra são visíveis no semblante do sertanejo, assim como as mãos ásperas e judiadas pelo trabalho incessante e penoso. Mas a satisfação em colher os frutos do esforço constante é um presente divino para quem molha todos os dias a terra fértil com o suor do seu trabalho. Atualmente o campo é servido por quase todos os recursos disponíveis no meio urbano. Energia elétrica, telefone, internet, vias pavimentadas, transporte escolar e outros benefícios predominam na imensa maioria das propriedades rurais, proporcionando excelente qualidade de vida. Até nos rincões mais longínquos o homem encontra algum tipo de comodidade, que ameniza as dificuldades em seu cotidiano.
A figura do caipira tradicional, que andava descalço, fumava cigarro de palha e gostava de dedilhar sua viola nas noites de lua cheia vai lentamente ficando para trás, transformando-se em lenda no imaginário popular. A imagem do poeta choroso, que vivia no ranchinho de sapé e exalava nostalgia pela ingratidão da mulher amada vai sendo esquecida. O legado deixado pelos legítimos representantes de uma era impregnada de saudosismo oferece inspiração para os jovens artistas, que acabam regravando antigos sucessos em versões atuais em que a poesia é evidenciada de forma a exaltar os valores culturais da gente da roça. As mudanças também são verificadas nos diversos estilos musicais da atualidade que procuram inserir temas rurais em suas letras. Um exemplo desse interesse e que atrai cada vez mais simpatizantes é o conhecido “sertanejo universitário”, com músicas que carregam um forte apelo rural. Alavancadas pelos eventos de rodeios, a nova tendência tem forte influência entre os jovens, que se identificam imediatamente com as baladas bem produzidas. Na esteira dos temas rurais, a moda “country” pegou carona numa versão chique, importada e adaptada para o gosto do consumidor brasileiro. Mesmo elitizada e acessível a uma seleta parcela da sociedade, as roupas fazem sucesso em todas as faixas etárias, conferindo um ar de “status” ao consumidor fiel do estilo.
Apesar de toda a tecnologia utilizada nas produções musicais, ainda aprecio a boa música sertaneja de raiz acompanhada somente de violão, acordeom e viola. E ouvir os acordes desses instrumentos sem tratamento de estúdio é um privilégio para poucos nos dias atuais. Isso remete aos tempos do verdadeiro caipira, que com sua simplicidade conquistava quem dele se achegava. Por tudo isso, tenho o maior orgulho de ter as raízes no campo, de preservar os costumes da gente da roça como o fogão a lenha e o moinho de café e de ser chamado de caipira. E como diz a música, “o caipira de verdade, nasce e morre desse jeito”.
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(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista.
Ilustração: “Caipira picando fumo”, de Almeida Júnior, de 1893

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