Um cartão postal
Por Donizete Oliveira:
No livro “Identidade”, o sociólogo polonês Zigmunt Bauman faz muitas reflexões sobre a pós-modernidade. Bauman, aliás, é mestre em discorrer sobre o tema. Já o fez com maestria em “Amor líquido”, “Medo líquido”, “Vida Líquida”, entre outros.
Para ele, nossa época líquido-moderna, em que o indivíduo livremente flutuante, desimpedido, é o herói popular, “estar fixo” – ser “identificado” de modo inflexível e sem alternativa – é algo cada vez mais malvisto.
Quer dizer, vivemos numa época em que se predomina o transitório. Não há mais laços que nos prendem ao outro. Tudo parece se cumprir numa eterna ciranda. Importa o que virá depois, mesmo que “esse depois” seja superficial e improvável.
Com as cidades ocorre a mesma coisa. Não se valoriza os espaços como algo ligado à nossa identidade. Quando saímos pelas ruas com alguém que visita nossa cidade, queremos mostrar o presente, mas também falar do passado.
Em 1975, tinha nove anos e passei com meus pais por Maringá. Fazíamos uma das nossas muitas mudanças. Éramos meeiros nas propriedades rurais em que trabalhávamos – o que não nos possibilitava ficar muito tempo num lugar.
Lembro-me que paramos na antiga rodoviária de Maringá, na Praça Raposo Tavares, para embarcar em outro ônibus que nos levaria até Tapejara, no Oeste do Estado, onde havia uma lavoura de café nos esperando.
Para a época, a rodoviária era uma construção moderna. No momento de embarcar, fui impedido de subir ao ônibus. Estava sem registro de nascimento. O documento ficara no caminhão de mudança. Meu pai e eu fomos ao Juizado de Menores, numa sala no andar de cima da antiga rodoviária de Maringá.
De posse de uma autorização do Juizado, embarcamos. Mas aquela rodoviária me marcou e mal sabia que décadas mais tarde iria morar em Maringá e assistir à derrubada daquele prédio. Mesmo não estando tanto tempo na cidade, me senti órfão.
Há alguns anos, estive em Ouro Preto, Minas Gerais. Deparei com construções antigas. Algumas com centenas de anos. Pus-me a pensar: o que será das cidades do Norte do Paraná daqui a uns 300 anos? Teremos alguma coisa preservada? A pergunta me intriga.
Já ouvi pessoas dizer que o prédio da antiga rodoviária não merecia ser preservado porque era muito novo e sem tradição. Discordo. Maringá tem 64 anos, portanto, suas edificações são novas, mas guardam a história da cidade.
Não culpo apenas as autoridades políticas pela demolição da antiga rodoviária. Nós, maringaenses, também somos culpados. Pois a maioria queria mesmo ver o prédio vir abaixo. Não está preocupada com patrimônio histórico e muito menos com tradição e identidade. No mês em que Maringá completa 64 anos, restam apenas lamentos isolados, como este.
A idéia de se construir um edifício naquele local reflete modernidade, o que combina com Maringá, que se gaba de ser moderna e progressista. A nova Dallas, como definiu a Revista Veja.
Comprei um cartão postal da antiga rodoviária numa banca de jornal e revista na Praça Raposo Tavares. Só assim podemos mostrar a Maringá de outrora aos nossos visitantes.
Arremato esta crônica com mais palavras de Bauman: “As identidades ganharam livre curso, e agora cabe a cada indivíduo, homem ou mulher, capturá-las em pleno voo, usando os seus próprios recursos e ferramentas”.
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