Um cardeal filho de açougueiro

Do padre Júlio Antônio da Silva:
Estamos certos de que Jesus Cristo não concedeu nenhum título honorífico para os seus amigos mais chegados. Ele ensinou que a maior titulação de um cristão é o serviço oblativo e gratuito ao próximo. Ele deu o exemplo desta tarefa essencial do cristão. E determinou a seus discípulos que, depois de terem feito tudo aquilo que devem fazer, considerem-se “servos inúteis”, pois fizeram o que deveriam ter feito (Cf. Lc 17, 10). Porém, no processo histórico de institucionalização da comunidade eclesial, vão aparecendo titulações dadas aos servidores do povo de Deus, para determinar a missão e função que devem exercer em vista do bem da comunidade eclesial.

No decorrer da História da Igreja, dentre os vários serviços e títulos, aparecem os “legados apostólicos”, homens que representavam o Papa em missões, situações e lugares em que o mesmo não podia estar presente. Assim, em nome e no lugar do Papa, era garantida a comunhão e a unidade da Igreja. Com o passar do tempo, lá por volta do século sexto da era cristã, esses homens foram chamados de “cardeais”.
A palavra cardeal vem da língua latina. Originalmente, significa cardo, dobradiça, eixo e ponto principal. Do significado original do nome, a gente começa entender melhor qual deve ser o significado do cardinalato. Quem é feito cardeal é feito facilitador da comunhão eclesial, a semelhança de uma dobradiça, que facilita a abertura de uma porta.
Quem é feito cardeal é feito dobradiça daquela única porta pela qual as ovelhas passam para buscarem pastagens fartas, para que todos tenham “vida em abundância” (Cf. Jo 10, 7-10)… A dobradiça é importante para movimentar a porta. Mas, o mais importante é a porta pela qual podem entrar as ovelhas do Bom, Único e Supremo Pastor.
Hoje, o título, a função e a missão de cardeal são conferidos a alguns bispos e presbíteros que colaboram diretamente no governo central da Igreja Católica ou que foram distinguidos nalgum serviço em defesa da fé e da vida humana. São escolhidos pessoalmente pelo Papa.
Designados para serviços de coordenação geral da chamada Cúria Romana ou em dioceses importantes e significativas para a Igreja. Lá na Cúria Romana, assumem as secretarias, congregações e os diversos dicastérios – organismos semelhantes aos ministérios de governos civis – que articulam a comunhão eclesial; a promoção da paz, da justiça, da caridade organizada; a unidade do culto e dos ritos; o diálogo inter cultural e religioso; o ecumenismo; a vida dos bispos, presbíteros, diáconos e a das pessoas de especial consagração etc.
Os cardeais são os responsáveis primeiros pela eleição de um novo Papa. É do meio deles, reunidos em conclave, que se elege um novo Papa. São aptos para tal os cardeais que ainda não atingiram 80 anos. Nas cerimônias em que os cardeais são oficializados para todo mundo – o consistório -, recebem um chapéu próprio, de cor vermelha púrpura, para lembrar-lhes do compromisso de darem a vida pela causa da Jesus Cristo e da Igreja, até o derramamento da última gota de sangue, se as circunstâncias assim o exigirem. Recebem, também, um anel diferenciado, indicando a efetiva e afetiva comunhão com o Papa e com o todo da vida e da missão da Igreja.
No consistório de 18 e 19 de fevereiro, conclamado por Bento XVI, teremos a alegria de escutar o nome de um único cardeal latino-americano. Trata-se de Dom João Braz de Aviz, nascido em Santa Catarina, mas criado aqui perto de nós, em Borrazópolis. Terceiro arcebispo metropolitano de Maringá.
Ficou conosco pouco tempo. Um ano e meio. Mas neste pouco tempo deu para perceber a grandeza de alma desse pastor, “filho de açougueiro”, como ele mesmo gosta de relembrar, que entende o pastoreio do rebanho de Jesus Cristo como tarefa que deve encarnar a humanidade de Deus nas situações concretas da vida humana… Se estivesse em vigor o Código Canônico de 1917, ele nem teria sido padre católico. Dentre alguns impedimentos para receber a sagrada Ordenação Sacerdotal, no referido Código, estavam os filhos de açougueiros…
Quem conhece um pouco da grande alma do cardeal Aviz, sabe bem de seu empenho nas causas da evangelização. E agora como “Prefeito”, isto é, como responsável geral para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, poderá contar ainda mais com o homem centrado nas coisas do Reino de Deus e da Igreja, tendo sempre em mira a construção da comunhão eclesial e a valorização da diversidade e universalidade dos carismas.
_______
(*) Monsenhor Júlio Antônio da Silva é sacerdote na Arquidiocese de Maringá