A penitência da saúde

Do padre Orivaldo Robles:
Anedota conhecida conta que Jesus Cristo, condoído dos pobres, certo dia, vestiu um jaleco e veio a um posto de saúde do Brasil. Entrou no consultório e disse ao médico: “Pode ir, colega. Vim substituí-lo”. Entrou o primeiro doente, um atropelado. Arrastava-se com o apoio de duas muletas. Jesus falou: “Volte para casa, você está curado”. Ele botou as muletas embaixo do braço e saiu andando normalmente. Na recepção outro doente quis saber: “Como é esse novo médico”? E ele, mal-humorado: “Ah, igual aos outros. Não gastou dois minutos. Não relou a mão em mim, não pediu exame, não receitou remédio nenhum”.
É uma piada, mas mostra a ideia que nosso povo faz do atendimento dado a doentes pobres. Três quartos dos brasileiros têm como única esperança o socorro oficial do SUS. Desiludidos com o que recebem, dirigem sua raiva aos profissionais que veem. Sobre estes desaba a revolta pelo descaso com a saúde em nosso meio. Não apenas nos grotões aonde não chega a mídia. Situações que nos envergonham acontecem até em metrópoles como São Paulo e Rio.
A fome é má conselheira, diz o ditado. A dor também. O sofrimento nosso ou de um ente querido dói muito, chega a revoltar. Contudo, a solução nem sempre está à mão. Depende de instâncias superiores. Senti na pele esse drama. Portador de um câncer metastático e sem plano de saúde – como, aliás, todos lá em casa – meu irmão não teve como seguir com cuidados domiciliares. Precisou de uma unidade oncológica do SUS. Sou grato a Deus e aos amigos que nos conseguiram o internamento. Quantos outros não têm essa chance e morrem à míngua?
Acomodações hospitalares para doentes terminais não são exatamente um primor de conforto. Três leitos se apertavam na pequena enfermaria. Para acompanhante, noite e dia, uma poltrona. Privacidade quase nenhuma. Difícil ocultar ao paciente lúcido o óbito dos vizinhos. Só que os hospitais disponibilizam o que conseguem com os repasses financeiros recebidos. Como investimentos públicos em saúde são precários, 75% dos brasileiros são penalizados. Não dá para esconder, pobre aqui não tem vez. A caminho da morte, meu irmão admitiu lucidamente: “Não sou melhor do que ninguém”.
Preciso admitir: médicos e atendentes foram exemplares. Ofereceram o mesmo tratamento que os doentes conveniados recebem. O SUS presta um serviço de qualidade. Nosso sistema público de saúde é um dos melhores do mundo. Pena que funcione mal em todas as áreas. Fundamentalmente, por carência de investimentos e de gestão. “Nos países ricos, 70% dos gastos com saúde são cobertos pelo governo e somente 30% pelas famílias”. No Brasil quase 60% cabem às famílias; pouco mais de 40%, ao setor público (dados do IBGE). A desculpa das autoridades é a de sempre: falta dinheiro. É revoltante, porque nunca falta para outras despesas. Inclusive para indecorosas rapinagens bilionárias que, dia sim, outro também, os jornais noticiam. Ninguém apura, ninguém é preso, ninguém devolve.
O tema da Campanha da Fraternidade-2012 é “Fraternidade e Saúde Pública”. Nesta Quaresma vamos refletir sobre o tema. Pesquisar soluções cidadãs para os problemas que nos afligem. Não adianta ficar com lamúrias de que nada muda. Se a gente se mexer, muda, sim. A ficha limpa nasceu da semente plantada pela CF-1996: “Fraternidade e Política”.