TJ julgará inconstitucionalidade de lei criada por Silvio II para beneficiar dono de imóvel
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná vai decidir a respeito da inconstitucionalidade do artigo 1º da lei complementar 615/2006 do município de Maringá, que beneficiou a construção de um edifício ao lado do Fórum. A construção não obedeceu a legislação de ocupação do solo, que foi alterada por iniciativa do prefeito Silvio Barros II (PP) apenas para beneficiar seu proprietário. A decisão é da Quinta Câmara Cível do TJ-PR, em julgamento de recurso apresentado pelo Ministério Público no último dia 6. O juiz da 5ª Vara Cível, Siladelfo Rodrigues da Silva, havia julgado improcedente a ação civil pública apresentada pelo MP, a partir de denúncia feita neste modesto blog no longínquo ano de 2006. O relator, desembargador Xisto Pereira, considerou que “não há como negar que houve favorecimento pessoal e individual de Fernando Pereira Souza de Lima”, que é filho de um promotor público. O prefeito, ao mudar a lei para beneficiar o proprietário do imóvel, em tese violou os princípios da impessoalidade, legalidade, moralidade e eficiência, incorrendo em improbidade administrativa. O julgamento do recurso fica suspenso até que o Órgão Especial decida sobre a inconstitucionalidade da lei. Na foto, 0 local antes da construção do prédio. O Edifício Joanna de Angelis hoje funciona ao lado do prédio do Ministério Público e mantém contrato de aluguel de salas com o próprio TJ-PR. Confira o acórdão do TJ-PR, publicado hoje:
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 882.313-0, da 5ª Vara Cível da Comarca de Maringá, em que figuram como apelante Ministério Público do Estado do Paraná, recorrente adesivo Fernando Pereira Lima de Souza e apelados os mesmos, Silvio Magalhães Barros II e Município de Maringá.
I – Relatório
O Ministério Público do Estado do Paraná ajuizou ação civil pública cumulada com responsabilidade por atos de improbidade administrativa em face de Silvio Magalhães Barros II, Fernando Pereira Lima de Souza, João Alves Correa, Mário Massao Hossokawa, Aparecido Domingues Regini, Márcia do Rocio Bittencourt Socreppa, Francisco Comes dos Santos, Dorival Ferreira Dias, Humberto José Henrique, Mário Sérgio Verri, Altamir Antônio dos Santos e Município de Maringá.
Aduziu que 16.12.2005 foi concedido para Fernando Pereira Lima de Souza alvará para construção de edificação com 1.391,60 m2 no imóvel objeto da data de terras n.º 14, quadra 03, situado na Zona Central do Município de Maringá; que em 25.04.2006 Fernando Pereira Lima de Souza solicitou autorização para execução de obra sem observância do recuo frontal de 4,00 metros a partir do 3.° pavimento, sob a justificativa de que “o recuo frontal previsto na Lei Complementar n.º 331/99, anexo II, ocasionaria um baixíssimo índice de aproveitamento e desta feita tornaria inviável a edificação a partir do 3.° pavimento”; que Silvio Magalhães Barros II, para atender ao interesse particular de Fernando Pereira Lima de Souza, encaminhou para apreciação da Câmara de Vereadores do Município de Maringá projeto de lei complementar em caráter de urgência, pelo qual dispensava a observância do recuo frontal de 4,00 metros apenas em relação à edificação que estava sendo construída por Fernando Pereira Lima de Souza; que antes da sanção e publicação da respectiva lei complementar Fernando Pereira Lima de Souza “convicto que estava no deferimento do seu pleito perante o alcaide Municipal de Maringá, executava a obra tal qual solicitado, ou seja, em flagrante desobediência ao recuo frontal de 4,00 metros” e “ainda executava um outro projeto contendo 489,00 metros a maior do que o anteriormente aprovado”, conforme foi verificado pelos fiscais da Prefeitura; que em 31.07.2006 Fernando Pereira Lima de Souza protocolizou projeto em substituição ao inicialmente apresentado, agora com o acréscimo de 489,00 m2 e sem a observância do recuo frontal a partir do 3.° pavimento; que em análise desse novo projeto surgiu a discussão acerca da taxa de ocupação do imóvel, mas isso foi dirimido sob o entendimento de que a Lei Complementar Municipal n.º 615/2006 teria implicitamente autorizado a alteração da taxa de ocupação considerando a dispensa quanto à observância do recuo frontal; que Silvio Magalhães Barros II para atender o interesse particular de Fernando Pereira Lima de Souza violou os princípios da impessoalidade, legalidade, moralidade e eficiência, configurando-se a improbidade administrativa e que os demais réus também praticaram ato de improbidade ao aprovarem o projeto de lei de Silvio Magalhães Barros II, flagrantemente inconstitucional.
Pugnou, ao final, pela (a) condenação do Município de Maringá “na obrigação de fazer, consistente em exigir que a obra edificada obedeça o recuo frontal de 4,00 metros e demais exigências previstas na Lei Complementar Municipal n.° 331/99, bem como na obrigação de não fazer consistente em não expedir alvará de habitação até a correção anteriormente mencionada, tudo sob pena de multa diária”; (b) declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar Municipal n.º 615/2006; (c) condenação de Fernando Pereira Lima de Souza “na obrigação de fazer, consistente em obedecer o recuo frontal de 4,00 metros frontal e demais exigências… consoante previsão na Lei Complementar Municipal n.° 331/99 (sem a devida alteração), tudo sob pena de multa diária” e (d) condenação dos réus nas sanções do art. 12, inciso III, da Lei Federal n.º 8.429/1992, pela prática do ato de improbidade de que trata o art. 11 caput e inciso I da mesma lei.
Após a apresentação das defesas prévias, pela decisão de fls. 594/611 a ação foi rejeitada em relação aos réus João Alves Correa, Mário Massao Hossokawa, Aparecido Domingues Regini, Márcia do Rocio Bittencourt Socrepa, Francisco Gomes dos Santos, Dorival Ferreira Dias, Humberto José Henrique, Mário Sérgio Verri e Altamir Antônio dos Santos, todos eles vereadores do Município de Maringá, ao entendimento de que “mostra-se totalmente inconstitucional a responsabilização dos vereadores unicamente pelo fato de terem votado favoravelmente determinando projeto de lei posto a sua apreciação”.
Pela sentença recorrida, de fls. 1.020/1.030, a ação foi julgada improcedente.
Em suas razões de apelação, o Ministério Público aduz que a sentença recorrida deve ser reformada porque criou perigoso precedente que pode por em risco a política de desenvolvimento e de expansão urbana em Maringá; que a quadra onde está situado o terreno em questão é destinada apenas a prédios públicos, denominada de “Zona do Centro Cívico”; que a antiga proprietária, a Companhia de Melhoramentos Norte do Paraná, havia doado esse imóvel aos Correios, mas a doação foi revertida; que em 25.07.2005 a Companhia de Melhoramentos Norte do Paraná alienou o imóvel para Fernando Pereira Lima de Souza; que logo depois, em 14.10.2005, Fernando Pereira Lima de Souza protocolizou pedido para concessão de alvará de construção; que consta das plantas de corte do primeiro projeto arquitetônico apresentado o recuo frontal de 4,00 metros a partir do 3.° pavimento; que 4 (quatro) dos 10 (dez) pilares de sustentação do prédio foram posicionados sobre a linha de divisa do imóvel com a praça; que com isso se percebe que “desde o início da obra foi antecipada a exigência estrutural do maior volume e massa construtiva em razão da inexistência dos recuos” e “com um claro e determinado objetivo: de nunca ter tido os recuos”; que entre o 1.° e 2.° pavimentos existe uma área denominada “espaço vazio sem uso”, situação que causa estranheza ante a afirmativa de que o recuo frontal não poderia ser observado porque diminuiria o potencial construtivo do terreno; que em 25.04.2006 Fernando Pereira Lima de Souza requereu autorização para edificar seu projeto sem a observância do recuo frontal de 4,00 metros, ao argumento de que o terreno apresentava baixíssimo índice de aproveitamento e que a edificação do prédio a partir do 3.° pavimento seria inviável; que foi editada lei complementar para atender o interesse particular de Fernando Pereira Lima de Souza; que nos termos do art. 39 da Lei Complementar Municipal n.º 331/1999, os casos omissos deveriam ser resolvidos pelo Conselho de Desenvolvimento Municipal, Órgão criado pela Lei Complementar Municipal n.º 01/1991 e competente para dirimir as dúvidas oriundas da intepretação da lei urbanística e de eventual alteração dos parâmetros urbanísticos; que quando Silvio Magalhães Barros II encaminhou o projeto de lei que dispensava Fernando Pereira Lima de Souza de observar o recuo obrigatório, a obra já estava edificada até o 3.° pavimento, ou seja, “em data de 19.05.2006, a construção já se encontrava sem os recuos, quando o Requerido recém havia apresentado o tal requerimento no qual solicitava a isenção dos mesmos”, isto é, tinha ele certeza que seu pleito seria atendido; que depois de publicada a Lei Complementar n.º 615/2006, Fernando Pereira Lima de Souza, em 31.07.2006, protocolizou novo projeto arquitetônico, em substituição ao primeiro apresentado, mas agora sem recuo frontal em todo o prédio e com aumento da área total construída para 1.660,62 m2; que o primeiro projeto previa área total de 1.327,89 m2 e recuo frontal a partir do 3.° pavimento; que em 12.08.2006 o prédio já estava concluído com os 6 (seis) pavimentos; que o novo projeto apresentava várias irregularidades, como insuficiente número de vagas de garagem em relação à área total do prédio e a ausência do coeficiente de aproveitamento; que o novo projeto, após passar pelas mãos de vários servidores responsáveis, culminou por ser aprovado pelo Secretário da SEDUH que acolheu o parecer da Procuradoria do Município de Maringá, no sentido de que a Lei Complementar Municipal n.º 615/2006 de forma implícita isentou a observância também da taxa de ocupação; que os pilares de sustentação já estavam definidos desde o início da obra no primeiro projeto apresentado, com o propósito de fazer a sustentação de todos os pavimentos sem o recuo necessário; que o engenheiro calculista ao ser indagado em juízo respondeu que seria viável a construção do prédio se observado o recuo frontal obrigatório; que não há prova nos autos de que a construção seria inviável caso fosse obedecido o recuo frontal; que “a liberação dos recuos visava tão-somente um lucro ainda maior para o proprietário com o aumento da área construída, contando para isso com a benevolência do Poder Público”; que sem o recuo frontal criou-se um “paredão” de seis pavimentos; que em razão do quadro geométrico em que foi planejada a cidade de Maringá vários outros lotes, também privados, circundam as praças por isso apresentam diferentes formatos geométricos assim como o de Fernando Pereira Lima de Souza, não se tratando, portanto, de imóvel singular ou “especial”; que os recuos são necessários para garantir a circulação de ar entre os prédios e contribuir com o deslocamento do calor e a “qualidade visual” de Maringá, conhecida como “Cidade Planejada”; que a discricionariedade conferida a Silvio Magalhães Barros II “consistia tão-somente em eleger a melhor forma de consecução dos objetivos já delineados pelo texto constitucional e pelas normas infraconstitucionais de integração, uma vez que garantir a correta observância das normas urbanísticas, trata-se de um poder-dever do Administrador”; que não poderia Silvio Magalhães Barros II dispor das limitações legais quanto ao coeficiente de ocupação do solo urbano exonerando Fernando Pereira Lima de Souza de seu cumprimento; que não houve atendimento ao interesse público, mas somente ao interesse particular de Fernando Pereira Lima de Souza; que o motivo determinante para a edição da Lei Complementar Municipal n.º 615/2006 foi o pedido de Fernando Pereira Lima de Souza para que lhe fosse dispensada a observância apenas em relação ao recuo frontal, não incluindo nessa dispensa a taxa de ocupação e que por isso foi ilegal o ato que aprovou seu projeto em índice construtivo (taxa de ocupação) superior ao permitido.
Por fim, requer a reforma da sentença recorrida para o fim de julgar procedente a ação para (a) declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar Municipal n.º 615/2006, (b) condenar Fernando Pereira Lima de Souza a obedecer ao recuo frontal de 4,00 metros a partir do 3.° pavimento e (c) condenar os réus nas sanções do art. 12, III, da LIA “pela violação dos princípios norteadores da Administração Pública” (fls. 1.034/1.123).
Contrarrazões às fls. 1.125/1.165 (Fernando Pereira Lima de Souza), fls. 1.183/1.190 (Silvio Magalhães Barros II) e fls. 1.191/1.196 (Município de Maringá).
Fernando Pereira Lima de Souzainterpõe recurso adesivo às fls. 1.166/1.181, pelo qual requer a condenação do Ministério Público por litigância de má-fé ao argumento de que “o subscritor da peça inaugural deixou transparecer a litigância de má-fé, na medida em que imputa ao aderente fatos extremamente desabonadores, que agiu em conluio, má-fé, desonestidade, dolo, entre outros e, na audiência de instrução e julgamento, em vez de produzir provas testemunhais neste sentido (ônus que lhe incumbia), dispensou a prova testemunhal e qualquer outra que pudesse provar o alegado”.
Contrarrazões ao recurso adesivo apresentadas pelo Ministério Público às fls. 1.199/1.219.
A Procuradoria-Geral de Justiça opina (a) pela instauração do incidente de inconstitucionalidade; (b) pelo provimento do recurso de apelação do Ministério Público e (c) pelo não conhecimento dos agravos retidos interpostos por Fernando Pereira Lima de Souza bem como de seu recurso adesivo (fls. 1.230/1.247).
É o relatório.
II – Voto e sua fundamentação
II.a) Dos agravos retidos
Não se conhecem dos agravos retidos interpostos por Fernando Pereira Lima de Souza às fls. 619/623 e fls. 870/877, uma vez que não pugnou por sua apreciação nas razões de recurso adesivo (CPC, §1.º, art. 523).
II.b) Da apelação cível
II.b.1) Da inovação recursal
Da atenta e comparada leitura da petição inicial com as razões recursais, constata-se que duas foram as inovações recursais do Ministério Público.
A primeira em relação à alegada competência do Conselho de Desenvolvimento Municipal (órgão criado pela Lei Complementar Municipal n.º 01/1991) para decidir acerca do requerimento de Fernando Pereira Lima de Souza quanto a não observância do recuo frontal.
A segunda no que toca à ilegalidade do ato que aprovou o segundo projeto arquitetônico apresentado por Fernando Pereira Lima de Souza após a edição da Lei Complementar Municipal n.º 615/2006.
As demais questões suscitadas foram também deduzidas na petição inicial, sendo que nas razões de recurso apenas foram repisadas de forma mais pormenorizada, valendo o registro de que a menção às plantas do projeto arquitetônico em questão não implica inovação recursal, uma vez que são elementos de prova já constantes dos autos.
Por isso, não se conhece do recurso de apelação no que toca às duas questões alhures apontadas: a competência do Conselho de Desenvolvimento Municipal e a ilegalidade do ato que aprovou o segundo projeto arquitetônico apresentado por Fernando Pereira Lima de Souza.
II.b.2) Do mérito
A causa de pedir, não há dúvida, diz com a inconstitucionalidade da Lei Complementar n.º 615/2006, por ofensa aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, de modo a configurar a ocorrência de improbidade administrativa.
O Ministério Público sustenta que indigitada lei foi editada para atender o interesse exclusivo e individual de Fernando Pereira Lima de Souza, inexistindo qualquer interesse público que justificasse essa benesse.
A lei em questão dispensou Fernando Pereira Lima de Souza de observar, em relação à torre, o recuo frontal obrigatório de 4,00 metros, previsto no Anexo II da Lei Complementar n.º 331/1999, no edifício que estava construindo de fronte à praça municipal.
Para perquirir se houve ou não ofensa aos princípios da Administração Pública, em especial, ao princípio da impessoalidade, faz-se necessária a análise pormenorizada da sucessão fática objeto de divergência entre as partes, à luz do conjunto probatório existente nos autos, partindo-se da concessão do alvará de construção até a finalização da obra.
Tudo teve início quando Fernando Pereira Lima de Souza, após a aquisição da data de terras n.º 14, da quadra 3, da Zona Central (ZC) de Maringá (matrícula imobiliária de fl. 51), requereu alvará de construção para edificação de imóvel de cinco pavimentos, protocolizando com seu requerimento as plantas do projeto arquitetônico, que foram encartadas nestes autos às fls. 86/91. Do acurado exame dessas plantas, merecem destaque as seguintes constatações: – recuo frontal de 0,55 metros em relação ao 1.º e 2.º pavimentos (área permeável no total de 13,08 m2) (fl. 58); – 1.º pavimento com altura (pé-direito) de 5,52 metros (fl. 62) e área total de “salão” de 186,84 m2 (dois “salões” de 93,42 m2 + 92,99 m2) (fl. 58); – 2.º pavimento com altura 2,25 metros(fl. 62) e área de “salão” de 246,80 m2 (fl. 59); – recuo frontal de 4,00 metros a partir do 3.º pavimento (fls. 60 e 62); – 3.º, 4.º e 5.º pavimentos com altura de 2,25 metros (fl. 62) e área de “salão” de 85,63 m2 cada (fl. 60). – edificação em formato de “escada” em razão do recuo frontal a partir do 3.º pavimento (fl. 62); – área total a ser edificada: 1.327,89 m2 (fl. 86).
De acordo com o Anexo II da Lei Complementar n.º 331/1999, a qual dispõe sobre o uso e ocupação do solo no Município de Maringá (fls. 97/122), nas edificações dos imóveis situados na ZC (Zona Central), como é o caso da data de terras adquirida por Fernando Pereira Lima de Souza, são necessários dois recuos: 4 metros a partir do térreo e mais 4 metros a partir da torre (ou 3.º pavimento) (fl. 321).
Ocorre que no projeto de Fernando Pereira Lima de Souza o térreo foi alinhado na linha de divisa do imóvel com a praça, portanto, sem o primeiro recuo.
Essa circunstância, todavia, não implicou qualquer irregularidade, pois conforme foi esclarecido no depoimento de Eunice Aparecida Carneiro em juízo, “estes recuos já são antigos, são coisas que já vem do passado, a gente só vai seguindo” (fls. 925/927).
No mesmo sentido foi o teor de seu depoimento no inquérito civil: “que no tocante ao recuo frontal, a parte térrea e o primeiro pavimento pode ser no alinhamento predial quando se trata de edificação comercial, como era o caso da edificação do proprietário Fernando Pereira Lima de Souza; que a partir da torre, ou seja, a partir do segundo pavimento, o recuo frontal deve ser de quatro metros na Zona Central desta cidade” (fl. 149).
O alinhamento predial das edificações existentes no entorno, portanto, por ser situação consolidada ao longo dos anos, permitiu que a edificação de Fernando Pereira Lima de Souza fosse também alinhada na divisa do terreno com a praça, sem ofensa à Lei Complementar Municipal n.º 331/1999 (Anexo II).
Tanto é assim que o primeiro projeto por ele apresentado foi aprovado sem qualquer ressalva em relação ao recuo a partir do térreo (1.º pavimento).
Obtido o alvará de construção em 16.12.2005, foi dado início à obra (fl. 85).
Em 25.04.2006 Fernando Pereira Lima de Souza requereu “a expedição de autorização para execução de obra sito à data de terras n. 14, quadra 3, zona central, sem o recuo frontal, respeitando-se a taxa de ocupação e altura máximas previstas em lei”, sob a justificativa de que “em face das exigências legais gerais de ocupação do solo, especificamente no tocante ao afastamento do recuo frontal, (Anexo II, da Lei Complementar n.º 331/99) a construção apresenta-se com baixíssimo índice de aproveitamento, tornando inviável a edificação a partir do 3.º pavimento. (…) Em face do exposto, requer a expedição de autorização para execução da obra sem o recuo frontal, respeitando-se, todavia, a taxa de ocupação e altura máximas previstas em lei” (fls. 132 e 39, destacou-se).
Esse pleito foi deferido, culminando com a edição da Lei Complementar Municipal n.º 615/2006, publicada em 30.06.2006, com a seguinte redação: “Art. 1.º No imóvel constituído pela Data 14, da Quadra 03, Zona Central, desta Cidade, a edificação de torre fica dispensada de observar o afastamento frontal de 4,00 metros, respeitando o contido no Anexo II da Lei Complementar n.º 331/99” (fls. 41 e 54, destacou-se).
O respectivo projeto de lei, de autoria de Silvio Magalhães Barros II (fls. 129/130), foi encaminhado com a mensagem de lei, na qual se fez remissão às razões constantes do requerimento de Fernando Pereira Lima de Souza (fls. 131/133).
Em 11.07.2006 foi realizada vistoria na construção de Fernando Pereira Lima de Souza e constatado que “o projeto aprovado com 1.327,89” estava “sendo executado em desacordo com o acréscimo de área com 489,00 m2” (fl. 55).
Esse acréscimo nada mais era do que a área correspondente ao recuo frontal de 4,00 metros a partir do 3.º pavimento, que não estava sendo observado.
Ao fito de regularizar o acréscimo de área edificada, Fernando Pereira Lima de Souza protocolizou pedido de alteração apresentando novo projeto arquitetônico, pleito que foi autuado em 02.08.2006 (fl. 420).
O projeto em substituição foi encartado nestes autos às fls. 426/437, com área total edificada de 1.621,19 m2 (fl. 426).
Em relação a esse segundo projeto, esclareceu Fernando Pereira Lima de Souza, em sua defesa prévia, que “somente quando a Lei Complementar n.º 615/2006 autorizou a dispensa de recuo, em data de 29 de junho de 2006, e só a partir daí… estava autorizado a apresentar projeto modificativo” (fls. 458/459). E foi exatamente o que ele fez.
No novo projeto apresentado, com espeque na Lei Complementar Municipal n.º 615/2006, não havia o recuo frontal de 4,00 metros a partir do 3.º pavimento (fl. 434).
Sem o recuo, o 3.º, 4.º e 5.º pavimentos ganharam área total de “salão” de 172,34m2, área muito maior do que aquela indicada no primeiro projeto que era de apenas 85,63 m2 (fl. 89).
A substituição pleiteada acabou por ser deferida pelo Secretário de Urbanismo de Maringá, após ser dirimida pela Procuradoria Geral do Município a discussão acerca do cumprimento ou não do percentual estabelecido em lei para taxa de ocupação do imóvel em questão (fls. 420/425).
Pois bem.
Em que pese a singularidade do imóvel em questão, quando Fernando Pereira Lima de Souza adquiriu o terreno sabia de suas limitações físicas e ao elaborar seu projeto deveria ter buscado o máximo de aproveitamento da área edificável, mas assim não o fez, como adiante se verá.
Em relação ao primeiro projeto, presume-se que da forma como foi feito, com o recuo frontal de 4,00 metros a partir da torre (3.º pavimento), atendia às expectativas de Fernando Pereira Lima de Souza, sobretudo em relação à área a partir do 3.º pavimento (área de “salão”: 85,63 m2).
Ou seja, esse projeto, tal como apresentado, era “viável”, pois caso assim não fosse não teria Fernando Pereira Lima de Souza, por uma questão de lógica, o elaborado dessa forma.
Por isso, não há como acolher sua alegação de que era “inviável a edificação a partir do 3.º pavimento” se fosse observado o recuo frontal a partir da torre.
Além disso, 84,63 m2 para uma sala comercial não pode ser considerado como “inviável” ou economicamente desvantajoso para o seu proprietário, sobretudo se levada em conta a região onde o imóvel foi construído: em praça central de Maringá onde se localizam o Paço Municipal, as Varas da Justiça do Trabalho, os Correios, o Fórum Cível, a Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Glória, dentre outros.
Não obstante, houve significativo desperdício de área com o térreo de aproximadamente 6 metros de altura, cujo propósito era apenas estético, de embelezamento ou sofisticação da edificação.
Ora, se Fernando Pereira Lima de Souza já sabia de antemão que a área dos demais pavimentos seria inferior ao do térreo e ao do 2.º pavimento, deveria ter otimizado seu projeto, aproveitando o espaço vazio decorrente do hall de entrada com pé-direito alto para fazer outro pavimento; mas, assim não fez, desperdiçando aproximadamente 246,80 m2 (primeiro projeto, fl. 88).
De conseguinte, tem-se que o motivo determinante para a edição da Lei Complementar n.º 615/2006 era o baixo potencial construtivo do imóvel caso fosse obedecido o recuo frontal de 4 metros. No entanto, restou evidenciado que houve um desperdício de área e que a edificação do primeiro projeto era viável mesmo sem a dispensa do recuo.
Computando-se o acréscimo ganho com o último projeto no que toca apenas à área de “salão” de cada pavimento, tem-se a diferença de 271,01m2 (fls. 87/89 e 436/434). E se considerada a área total, chega-se a diferença de 293,30m2 (plantas de fls. 86 e 426).
Essa metragem multiplicada pelo preço do metro quadrado encontrado no mercado imobiliário chega-se ao valor considerável de aproximadamente R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais), se considerarmos R$ 2.200,00 como o valor médio do metro quadrado em Maringá na região central (fonte: http://www.sub100.com.br/imoveis/venda/salas/10- maringa-pr).
Esse, com certeza, não era o “interesse público” a ser atingido.
Nesse passo, não há como sustentar que havia campo para discricionariedade de Silvio Magalhães Barros II para dispensar Fernando Pereira Lima de Souza do cumprimento das exigências legais atinente à ocupação do solo urbano sob o pretexto de atender o interesse público.
O interesse público, no caso, era o atendimento das regras legais de ocupação do solo urbano, com a edificação regular de prédios no Município de Maringá (Lei Complementar Municipal n.º 335/1999, art. 7.º, parágrafo único, fl. 171), uma vez que a lei deve ser aplicada de forma igual para todos, sem privilégios de qualquer ordem.
De tudo o que foi dito outra não é conclusão de que o requerimento de dispensa de recuo deveria ter sido indeferido, uma vez que, embora se trate de imóvel singular na cidade, a edificação que nele se pretendia fazer seria viável, ainda que respeitado o recuo frontal de 4 metros. E mais ainda, cumpriria da mesma forma sua função social, com a geração de empregos, arrecadação tributária, urbanização da área, etc. e etc.
Inexistindo, portanto, interesse público e situação excepcional, não há como negar que houve favorecimento pessoal e individual de Fernando Pereira Lima de Souza com a edição da Lei Complementar Municipal n.º 615/2006, decorrendo daí a inconstitucionalidade do seu art. 1.º por ofensa ao princípio da impessoalidade (CF, art. 37, caput), como bem pontuou a Procuradoria-Geral de Justiça, verbis: “Maria Sylvia Zanella Di Pietro1, comentando sobre o princípio da impessoalidade, explicita que este está relacionado com a `finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez (1 In “Direito Administrativo”, São Paulo: Jurídico Atlas S/A., 2003, p. 71.) que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento’ (destacou-se).
Não se justifica, portanto, a elaboração de uma lei para beneficiar apenas uma pessoa, fato que afasta uma das características essenciais da norma, que é a generalidade.
Suzana de Toledo Barros2, a respeito da matéria, assim concluiu: `Uma questão que se coloca frequentemente quando está em debate a igualdade é quanto às leis casuísticas, aquelas às quais falta o caráter de generalidade e são editadas para atingir pessoas determinadas. Quando se trata de atribuir vantagens ou impor restrições a certas pessoas, mesmo que a medida legislativa venha disfarçada de lei abstrata e geral, haverá violação do interesse público, porque o legislador não se pode valer da lei para distribuir privilégios, mascarar perseguições ou mesmo para fazer justiça a casos concretos. Estes comportamentos são incompatíveis com a idéia de Estado de Direito, seja porque ultrapassam o limite que o princípio material da isonomia impõe às funções estatais seja porque violam o cânone da separação de poderes – a lei casuística é, nesse sentido, um ato administrativo travestido de ato legislativo. A proibição de leis individuais e concretas torna-se consectário lógico de um regime democrático de direito, razão pela qual não parece constituir problema o fato de a nossa Constituição não ter disposto expressamente acerca do assunto, como o fez a alemã (art. 19, I) e a portuguesa (art. 18, III), excessivamente zelosas em matéria de proteção a direitos fundamentais. Em conexão com o princípio da igualdade na criação da lei, resulta que o legislador não é tão livre na escolha das características ensejadoras de tratamentos diferentes, a ponto de permitir a identificação de uma pessoa a ser atingida por medida vantajosa ou desvantajosa. Os pressupostos de fato considerados na norma legal devem ocorrer no futuro. Logo, não é possível que os efeitos concretos da lei sejam de antemão conhecidos. As leis chamadas casuísticas impedem que a hipótese normativa se reproduza, porque descrevem situação de 2 In “O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais”, Brasília Jurídica, 2000, págs. 200/202. particularismo tal que, no momento em que são editadas, já têm destinatário certo e único. Revelam, por isso, vício intrínseco, embora se possa falar aqui, também, em um típico desvio de finalidade, se for considerado que toda lei pessoal e concreta viola o interesse público. O princípio da proporcionalidade faz-se útil na constatação desse tipo de inconstitucionalidade. A vantagem na sua utilização está em que o intérprete não precisa indicar os motivos que levaram o legislador a editar a norma pessoal e concreta, os quais só poderiam ser aclarados (mas nem sempre) a partir do exame do projeto de lei e dos respectivos trabalhos preparatórios. Basta comprovar que o meio utilizado individualiza certa pessoa, impedindo venha, a lei, colher novos destinatários no futuro. A construção de um excesso de poder do legislador nos termos assinalados põe em relevo a idéia de que a discricionariedade e a liberdade de conformação legislativa podem sofrer apreciação judicial, desde que com base em elementos objetivos. Assim, a exigibilidade de uma medida legislativa impositiva de tratamento especial pode ser duramente questionada se o seu exame intrínseco indicar seja endereçada a certa pessoa’ (destacou-se)” (fls. 1.236/1.237).
Nessas condições, segundo leciona Luís Roberto Barroso, “a questão constitucional figura como questão prejudicial, que precisa ser decidida como premissa necessária para a resolução do litígio. (…) O controle incidental é por vezes referido, também, como controle por via de exceção ou defesa, porque normalmente a inconstitucionalidade era invocada pela parte demandada, para escusar- se do cumprimento da norma que reputava inválida. Todavia, a inconstitucionalidade pode ser suscitada não apenas como tese de defesa, mas também como fundamento da pretensão do autor, o que se tornou mais freqüente com a ampliação das ações de natureza constitucional, inclusive e notadamente pelo emprego do mandado de segurança, tanto individual como coletivo” (Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, São Paulo: Saraiva; 2009, p. 49/50).
Por conseguinte, com fundamento na Súmula Vinculante n.º 10 do STF, no art. 282 do RITJPR, no art. 97 da CF e art. 112 da CE, suspende-se o julgamento deste recurso e suscita-se incidente de declaração de inconstitucionalidade do art. 1.º da Lei Complementar n.º 615/2006 do Município de Maringá por ofensa ao princípio da impessoalidade (CF, art. 37, caput), determinando-se a remessa destes autos ao Órgão Especial.
É como voto.
III – Dispositivo
Acordam os magistrados integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em não conhecer dos agravos retidos de fls. 619/623 e 870/877 e conhecer em parte da apelação e, na parte conhecida, suspender seu julgamento suscitando, perante o Órgão Especial, incidente de inconstitucionalidade do art. 1.º da Lei Complementar n.º 615/2006 do Município de Maringá por ofensa ao princípio da impessoalidade (CF, art. 37, caput).
Acompanharam o voto do Relator os Desembargadores Paulo Roberto Hapner e Leonel Cunha.
Presidiu o julgamento o Desembargador Paulo Roberto Hapner, com voto.
Curitiba, 06.11.2012.
Des. Xisto Pereira, Relator.