Conferência Pública: um espaço de garantia dos direitos para todos
Por Ana Lúcia Rodrigues e Fabíola Castelo de Souza Cordovil:
Apesar de faltarem apenas vinte dias para o final do seu mandato, o prefeito de Maringá convocou uma Conferência Municipal para o dia 10 de dezembro de 2012, das 8h30 às 17 horas, no Plenário da Câmara Municipal com a finalidade de alterar o Plano Diretor (PD) de Maringá. A questão é que o Plano Diretor já define uma conferência de avaliação e alterações das leis para 2013.
Ou seja, o próximo prefeito é quem deveria mobilizar toda a sociedade num amplo processo participativo a fim de avaliar o Plano Diretor naquilo que foi realizado e no que não foi efetivado, analisando as ações acertadas e, também, os fracassos. E, então, pensar conjuntamente o que se espera para o futuro de Maringá. Assim, somente a partir desse “processo participativo” é que seria possível promover alterações que se apresentarem pertinentes e justificadas para toda a população.
A prefeitura está nesse momento propondo alterações referentes às leis complementares mais relevantes dentre as legislações urbanísticas. É a alteração das leis do Sistema Viário Básico (886/11); do Uso e Ocupação do Solo (888/11); da Aplicação de Instrumento da Outorga Onerosa do Direito de Construir (908/11); além de uma proposta de alteração da 916/12, aprovada em abril de 2012 que se constituiu em uma mudança pontual da LC 888/11.
Relembrando a trajetória da elaboração e aprovação da legislação urbanística maringaense em vigor, relativa ao uso e ocupação do solo e às diretrizes viárias, destacamos que estas foram aprovadas em 2011 para regulamentar o Plano Diretor sancionado em 2006. Ou seja, mais de quatro anos depois é que se regulamenta o PD, sendo que os prazos máximos para a aprovação eram de 12 meses para a lei de Uso e Ocupação do Solo e de 18 meses para a lei do Sistema Viário e para a lei da Outorga Onerosa. Esse atraso impediu que as diretrizes do PD passassem a valer o mais rapidamente possível para assegurar o cumprimento da “função social da cidade” por meio de uma “gestão democrática participativa”.
Assim, causam-nos estranheza os encaminhamentos adotados para a realização da conferência no próximo dia 10, visto que o executivo municipal não observou os prazos para aprovação da legislação durante grande parte do seu mandato. Portanto, questionamos os motivos que, somente no apagar das luzes de uma administração caracterizada por ações que não asseguraram o direito à cidade ao conjunto da população, revelam-se em temas urgentes para justificar uma conferência.
Poderíamos citar como uma das ações de cumprimento dos princípios expostos na lei do Plano Diretor, a aprovação, logo no início da primeira gestão do prefeito Silvio Barros, do instrumento da Zona Especial de Interesse Social (ZEIS). Contudo, este nunca foi utilizado para estabelecer uma política habitacional cuja prioridade fosse a moradia para população com renda familiar limitada a três salários mínimos, prioridade esta explicitada no PLHIS- Plano Local de Habitação de Interesse Social, aprovado em 2010. Argumenta-se que o atendimento à demanda por habitação de baixa renda não ocorreu de forma suficiente devido ao alto preço da terra em Maringá. Contudo, a ZEIS serve exatamente para contornar tal dificuldade e flexibilizar a legislação como, por exemplo, permitindo lotes com áreas menores do que o mínimo previsto na cidade, de modo a viabilizar a habitação de interesse social.
Ainda com este instrumento da ZEIS, aprovou-se o projeto de requalificação urbana e social denominado “ZEIS Santa Felicidade” que, além de remover boa parte dos moradores do bairro para áreas “pulverizadas” pela cidade, promoveu a desafetação de mais de 50 áreas institucionais. Falando mais claramente, privatizaram-se espaços destinados a equipamentos sociais como escolas, postos de saúde, centros esportivos e culturais, praças etc., principalmente na região norte da cidade cujos moradores já sofrem com a carência de espaços públicos e serviços sociais e comunitários. Entendemos que, dessa forma, foi-se à contramão do que preconiza o Estatuto da Cidade sobre a função social da cidade e da propriedade.
Outra ação que contraria as necessidades urbanas de espaços públicos foi a demolição da rodoviária antiga, com o único objetivo de entregar um dos melhores e mais bem localizados terrenos públicos de Maringá para a iniciativa privada, sem levar em conta sequer o real valor do terreno no mercado em troca de uma contrapartida irrisória de apenas 10% para a municipalidade. No mesmo sentido, se propõe, nesta Conferência, conceder a um loteador que os mesmos parâmetros urbanísticos especiais destinados à área pública do antigo aeroporto sejam estendidos ao terreno vizinho, um loteamento privado denominado Eurogarden, incluído na Zona Especial 16-Centro Cívico, doravante considerado “especial”. Mais do que uma concessão, é um privilégio que, certamente, os demais loteadores maringaenses também poderão de agora em diante pleitear.
Mais uma decisão que vai contra a qualificação urbana de Maringá e explicita a ausência de um debate, desta vez regional, foi a manutenção do Contorno Norte com o mesmo traçado do projeto original de 1979 o qual, em desrespeito às diretrizes urbanísticas atuais, consolidou um dos maiores obstáculos para a mobilidade da população no território maringaense, além de fazer confluir todo o tráfego pesado de veículos para o coração de Sarandi, numa clara falta de política metropolitana e de planejamento para o conjunto regional, o que também contraria o que está definido no PD em relação ao planejamento metropolitano.
Outra proposta trazida a esta Conferência é a implantação do novo Parque Industrial na zona rural, distante da infraestrutura instalada. Esta ação será, seguramente, a que mais impactará no crescimento futuro da cidade sob todos os pontos de vista. Um destes é a desestruturação do macrozoneamento que garantiria a manutenção da área rural para atividades rurais. Além disso, inquieta-nos o fato de que a instalação da infraestrutura viária e urbana está ocorrendo às expensas do erário municipal a um custo altíssimo, já que o novo Parque Industrial localiza-se no extremo limite do perímetro municipal. Deste ponto de vista, vislumbramos a geração de um alto percentual de vazios urbanos que, certamente, serão submetidos à especulação.
Conforme informou o presidente (em exercício) do CMPGT – Conselho Municipal de Planejamento e Gestão Territorial, “… a criação do novo Parque Industrial terá alterações no mapa do município e no mapa do sistema viário, por isso será encaminhado para Conferência e que a questão do uso do solo e da ocupação do solo da Zona Especial 16 – ZE16 também será analisada na Conferência Pública por solicitação da administração pública” (Ata da reunião do dia 31/10/2012).
Mesmo o cidadão maringaense que, a princípio, não se identifica com essa discussão deve ser informado de que as decisões que se tomam em relação ao PD irão definir importantes conformações espaciais que se refletirão diretamente na vida cotidiana. Por exemplo, faz diferença se as praças e os demais espaços públicos de Maringá continuarão a ser transformados em grandes estacionamentos, como ocorreu com a Praça da Catedral e na gleba central do Novo Centro, ou se as praças serão recortadas por avenidas como se projetou para as chamadas rotatórias. Outro exemplo é a praça do antigo aeroporto que foi cassada da condição de praça, atribuída pela própria população, e doada para a construção da sede do Tribunal de Justiça.
Destacamos que é no PD que se define se o transporte coletivo continuará ineficiente, caro e monopolista, levando todo o povo a comprar carro e moto, arriscando-se num trânsito que será cada dia mais caótico e violento. Também questionamos: será que ainda nos orgulharemos em viver numa “cidade-verde” onde os parques públicos continuarão a ser privatizados e entregues para empresários os explorarem como negócios?
Enfim, tais reflexões pretendem evidenciar a importância da existência de um processo no qual a conferência deve ser o ponto culminante e não o único, sob pena de não ser legítima, pois a legitimidade, sob o aspecto democrático, tem como critério a participação do destinatário do processo decisório com real possibilidade de influenciar o resultado da decisão.
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(*) Ana Lúcia Rodrigues e Fabíola Castelo de Souza Cordovil são professoras e representantes da UEM no Conselho de Planejamento e Gestão Territorial: