Um Natal sem sinos
De Luiz Henrique Rossi:
Mateus 2:13-18
Os sinos não soarão neste natal. Pelos menos, não aqui, no estado de Connecticut-EUA, onde, em cada canto, ainda permanecem sem respostas as principais questões sobre o massacre ocorrido no último dia 14 desse mês, na cidade de Newtown, quando morreram 20 crianças e sete adultos. Ainda, que nos esforcemos, é quase impossível não pensar naquele cenário de morte, tristeza, desespero e saudade, que envolve não apenas as vítimas e seus familiares, mas a todos quantos se deixaram compadecer e abriram seus corações para sentir a mesma dor.
A proximidade dessa tragédia com o natal tornou ainda mais duro e cruel o sofrimento de cada família. Provavelmente, alguns daqueles pais já haviam comprado o presente para seus filhos. As luzes de natal, os enfeites, as árvores, antes motivos de alegria, agora são símbolos de muita dor e tristeza. As lindas canções de natal, tão inspiradoras, foram, sem querer, conectadas à lembrança do medo, do terror e do mal. Por isso, a cidade de Newtown está se “desnatalizando” neste natal.
Ouvimos da boca do governador: “O mal visitou nosso estado”, em uma alusão à gravidade dos fatos e suas consequências profundas na vida de uma comunidade muito maior que a própria cidade onde ocorreu o massacre.
Pensando nessas palavras, eu diria que o mal se manifestou de forma cruel em nosso estado, mas, na verdade, ele sempre esteve presente. Esta presença, já fora há muito detectada e denunciada pelo Senhor quando disse aos Seus discípulos: “Já não falarei muito convosco, porque se aproxima o príncipe deste mundo, e nada tem em mim” (João 14:30). Além disso, algumas décadas depois da morte e ressurreição de Cristo, o discípulo do amor também lembrou a todos que esta presença maligna se tornou em contexto de vida, e por isso nos alertou, como se estivéssemos em constante guerra: “Sabemos que somos de Deus, e que o mundo inteiro jaz no Maligno” (1João 5:19).
Estas duas declarações já são suficientes para termos a certeza da presença do mal e da sua atuação no mundo. No entanto, uma pergunta inevitável surgiu entre tantas outras, vinda dos lábios de muitos: “Por que o Deus Todo-Poderoso permitiu que o mal prevalecesse?”
Por mais estranho que possa parecer, é exatamente a proximidade dessa tragédia com o natal que nos ajuda a encontrar a resposta para a questão acima, nos levando a perceber que não estamos sozinhos na luta contra o mal. Aprendemos que, em meio às tragédias, nossos olhos podem ser abertos a fim de que enxerguemos novas realidades e assim tenhamos a esperança renovada em nossos corações.
As Escrituras nos dizem que o próprio Deus, em Cristo, foi vítima do mal em vários momentos de sua existência entre nós.
Jesus, ainda na tenra idade, diferentemente das 27 vítimas de Newtown, escapou de um massacre de crianças. Muitos meninos em Israel com toda a vida pela frente, morreram ao fio da espada, por ordem do maligno rei Herodes. Foi um momento de dor e desespero para muitas mães, o qual o evangelista Mateus descreveu a partir da imagem da alma ferida de Raquel: “Em Ramá se ouviu uma voz, lamentação, choro e grande pranto: Raquel chorando os seus filhos, e não querendo ser consolada, porque já não existem.” (Mateus 2:18). Da mesma forma, muitas “Raquéis” ainda choram e estão inconsoláveis em Newtown.
Também, em outros momentos Jesus foi afligido pelo mal. Desde a tentação no deserto até o seu julgamento, castigo e morte na cruz, o Senhor soube o que era sofrer sob a vara do mal. Isaías, o profeta, traduziu muito bem esse sofrimento em palavras: “Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados.” (Isaías 53:5).
No entanto, ao ressuscitar, Jesus expressou a todos, mundo visível e invisível, principados e potestades, a sua vitória sobre a morte e sobre toda a forma de mal. (Colossenses 2:15). Em Cristo, o mal foi derrotado. É certo que, ainda, experimentamos os ferrões de sua cruel atuação, mas ele já foi derrotado. Os seus dias estão contados…
A verdade é que a vinda de Jesus a este mundo foi a grande e definitiva resposta de Deus ao mal no mundo. O menino que escapou do massacre, e que, deliberadamente, não quis escapar da cruz, é a resposta mais completa e satisfatória a todo o mal que nos aflige, mesmo os maiores e mais devastadores que possamos viver. Jesus venceu, e por sua causa, nós vencemos também. Sua presença em nós é a certeza de que mal algum será maior que a esperança e consolo que dEle emana em todo o tempo. Por isso, Natal é tambem a lembrança de que o mal não é eterno. O nascimento de Cristo marca o primeiro dia em que o mal começou a morrer.
No natal celebramos o nascimento da nossa vitória, Daquele que venceu e hoje habita o nosso ser. Por essa razão, nos negamos a viver com um coração sem esperança, sem alegria, amargurado, ressentido, temeroso por causa do mal. Não. Não permitiremos que o mal nos dirija com seus ferrões. Não andaremos nesse caminho. Ao contrário, faremos um caminho melhor, superior, o mesmo que foi percorrido pelo Senhor. E nossa resposta será a mesma que, continuamente, o Senhor ofereceu quando afligido foi pelo mesmo mal:
· Uma confiança absoluta no Pai;
· Um coração perdoador;
· A prática do bem em todo o tempo.
É verdade, neste natal os sinos não soarão. Em vez deles, serão ouvidos sons de esperança e consolo, que vêm do coração daqueles que confiam no Cordeiro e são por Ele conduzidos em tempos de aflição; daqueles que em hipótese alguma se deixam vencer pelo mal, “mas vencem o mal com o bem” (Romanos 12:21).
Feliz Natal, com a graça daquele que venceu!
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(*) Luiz Henrique Rossi, pastor em Connecticut, EUA
Igreja Presbiteriana “Cristo é Vida”
Dezembro/2012