Do padre Orivaldo Robles:
Depois dele vieram cinco. Quatro morreram no cargo. O último, não. Desde anteontem, estão apagadas as luzes que o mostravam em casa. Fico matutando sobre sua primeira noite na condição de papa emérito. No Palácio Apostólico de Castel Gandolfo, enquanto espera a reforma do convento Mater Ecclesiae, sua nova residência, será que demorou a pegar no sono? Precisou de algum comprimido para dormir? Pois é raro modificar tanto a vida de um homem. Menos ainda, a vida de uma Igreja multissecular.
Ele não tomou, porém, sua decisão de afogadilho. Sabia o que estava fazendo: “Dei este passo com plena consciência da sua gravidade e também novidade, mas com profunda serenidade de espírito. Amar a Igreja significa também ter a coragem de fazer escolhas difíceis, dolorosas, tendo sempre diante dos olhos o bem da Igreja e não a nós mesmos”.
Para o cristão a fé é o fundamento da vida. A ninguém deveria surpreender a descrição do seu pontificado: ”Foi um pedaço de caminho da Igreja que teve momentos de alegria e luz, mas também momentos não fáceis; senti-me como São Pedro com os apóstolos na barca no lago da Galileia: o Senhor deu-nos muitos dias de sol e brisa suave, dias em que a pesca foi abundante; mas houve também momentos em que as águas estavam agitadas e o vento contrário – como, aliás, em toda a história da Igreja – e o Senhor parecia dormir” (catequese de 27/02, quarta-feira). Nenhuma queixa. Apenas citação da tempestade no lago (Mc 4,35-41). Ainda assim, houve interpretações peregrinas. Não quiseram ler o excerto “como, aliás, em toda a história da Igreja”. Bento 16 admitiu que a miséria, a fraqueza e o sofrimento são indissociáveis do gênero humano. Não se desagregam, portanto, da Igreja do Senhor.
Com dor e também com franqueza reconhecemos crimes e pecados em nosso meio. Bem que gostaríamos de uma Igreja impecável, constituída somente de anjos. Mas não existe. O próprio Senhor deixou expresso que veio chamar não justos, mas pecadores (cf. Mc 2,17). Melhor do que ninguém, sente-o um velho e sofrido papa. Com o profeta confessamos: “A ti, Senhor, convém a justiça; e a nós, hoje, resta-nos ter vergonha no rosto” (Dn 9,7). Mas a Igreja é de Cristo, que não exclui os pecadores. De qualquer religião e de até de religião nenhuma. Pois todos o somos.
“E, no entanto, é preciso cantar. Mais que nunca é preciso cantar. É preciso cantar e alegrar a cidade”. Parafraseando Toquinho e Vinícius, entendo que é preciso remar no agitado mar destes dias. Mesmo que não seja cada um de nós, como se definiu Bento 16, doravante mais do que um “simples peregrino que começa a última etapa de sua peregrinação nesta terra” (despedida em Castel Gandolfo, 28/02).