Como irmãos

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoA historieta a seguir alguns já leram no livro “A Igreja que brotou da mata”, que lancei em março de 2007. É verdadeira.
Nos anos 90, a Paróquia São José, da Vila Operária, foi confiada a Padre Silvino Pedro Rabuske. Corpulento feito um guarda-roupa de casal e bem jovem, nós o chamávamos Pedrinho, por causa da cara de menino. Seu auxiliar, Padre Arthur Frantz, passava dos setenta. Ambos jesuítas, de sólida formação e disciplina, era um mistério como se entendiam sob o mesmo teto. Não é comum o jovem ser o superior do idoso. Pelo menos se têm idades tão diferentes. Um dia, não contendo a curiosidade, uma senhora animou-se a perguntar: “Padre Arthur, o senhor tem mais de setenta anos; Padre Pedrinho, uns trinta. Trabalham juntos. Vocês nunca discutem? Como é que se entendem?”. Com graciosa serenidade o velho padre respondeu: “Não há nenhum problema. Vivemos como irmãos”. E para deixar bem claro, completou: “Brigamos todos os dias”.
Faz algum tempo, tive chance de ratificar a opinião o bom Padre Arthur. Vinham pela rua uma jovem mãe e seus dois garotinhos. Ela, na frente; atrás, a dupla esbanjando saúde e simpatia. O mais velho chutava de brincadeira o bumbum do mais novo, que tentava defender-se também com o pé. Sem atentar para a presença da mãe, eu me intrometi e aconselhei: “Não chute o seu irmãozinho. Ele é menor do que você”. Ela voltou-se deixando perceber um semblante de cansaço: “Isso é assim o dia inteiro”. Como a confessar que já tinha desistido de apaziguar o conflito.
Brotada lá de um passado que vai longe, alcançou-me então a suave lembrança do pai. Na infância, por algum tempo, fomos, em casa, dois filhos apenas. Coube-me o azar de ser o segundo, vítima habitual do Eraldo, mais velho e mais forte. Os entreveros eram praticamente diários. Como é fácil supor, eu jamais vencia. Não me recordo bem, mas devemos ter sido um pouco (ou muito) atentados. À toa não deve ter sido que o pai, habitualmente calmo como um monge, chegasse a reclamar, certa vez: “Eu não sei. Conheço famílias com três ou quatro filhos, que não dão metade do trabalho que dão esses dois nossos!”.
Prezada mãe que desconheço, não maldiga o confronto palestino-israelense, que a maternidade lhe entregou para mediar. Considere felizes os seus guris. Feliz daquele que, na infância, tem um irmão com quem pode brigar. São brigas sem maldade. Geralmente começam pela aporrinhação do mais velho, que adora infernizar a vida do pequeno. Terminam sem consequências, a não ser a espera da próxima. É mais o divertimento de um, à custa da chateação do outro. Vá por mim, senhora. Já passei por isso.
Curta bastante os meninos ora ao alcance do seu carinho. Irmãos pequenos têm um jeito único de conviver. Arreliam como cão e gato, mas nenhuma força deste mundo é capaz de separá-los. É pena que um dia tenham de crescer. Eles não sabem, mas a vida os levará para cantos diferentes. Sem consultá-los se querem ou não.
Chegará o dia em que das infantis pendengas de hoje não restará senão lembrança. Não uma lembrança qualquer, mas lembrança renitente, que dói fundo e provoca travor na boca. Lembrança de que, com briga e tudo, foi delicioso, mas passou depressa demais o convívio com aquele irmão que a morte levou.