Como sonhara Isaías

Cada qual tem lá seu modo de tentar entender a origem do universo e de tudo o que nele existe. Alguns se amparam na fé, outros na ciência. Mas isso é discussão para gente grande, e não tenho mais idade para entrar nesse “acho que é assim, acho que é assado”. O que me espanta mesmo é pensar que um planeta inicialmente dotado de tantas maravilhas foi pouco a pouco se transformando na arena louca em que hoje tenta manter-se viva a humanidade.

     Vejam só: no princípio havia a luz, havia a água, havia o ar, havia o verde, havia a vida. Um jardim limpinho, bonito, cheiroso, farto, com tudo o de que necessitavam os seus habitantes para ser felizes – entre eles o homem e a mulher. Não deu certo então por quê? Culpa dos peixes? Das aves? Dos bichos? Óbvio que não. Quem fez o estrago foi o ser humano.

     Ambição, rancor, ciúme, inveja, egoísmo, preconceito, arrogância, vaidade. Tudo isso misturou-se e alastrou-se ao longo dos séculos, gerando brigas, traições, roubos, assassinatos, guerras, crueldade de toda forma, safadeza de todos os tamanhos.  

     E deu no que deu: um geral desarranjo na engenharia da natureza, com terremotos, enchentes, pragas, pandemias, e uma crise atrás de outra na economia, na política, no relacionamento entre as pessoas e entre as nações. Dá para viver num mundo assim?

     Toda vez que tento compreender o que foi que fez a gente chegar a tal ponto sinto um abalo no meu estoque de esperança. Quem geralmente nesses momentos me socorre é o queridíssimo profeta-poeta Isaías. Cerca de 700 anos antes de Cristo ele já percebia os desvios da humanidade em relação ao projeto de Deus, todavia jamais perdera o otimismo e a fé. Nos seus sonhos, o mundo continuaria caminhando para um final bonito e bom.

     Até hoje a profecia  não deu sinal de que esteja próxima de se realizar. Porém insisto em pensar azul. Embora motivos existam, e de montão, para o medo e o desânimo, há também muita bondade no mundo. Muitos belos exemplos de solidariedade, sensibilidade social, cuidados com a preservação ambiental, esforços em favor da justiça e da paz.

     Por isso é que com frequência me vem à mente um dos textos mais lindos da Bíblia – Isaías 11: 6- 9. Aliás, gosto tanto que até peço licença para recitá-lo em versos:

     “Em paz, o lobo e o cordeiro / a toca repartirão, / e afastarão por  inteiro / as mágoas do coração. / Sem os ódios do passado, / sem agressão, sem conflito, / deitar-se-ão lado a lado / o leopardo e o cabrito. / O bezerro e o leãozinho /  irão juntos  a  passeio, / e até mesmo um menininho / os tocará, sem receio. / A vaca terá no urso / seu parceiro de pastagem, / sem disputa, sem concurso, / sem nenhum tirar vantagem. / As crianças brincarão / no campo tranquilamente, / podendo até pôr a mão / na ninhada da serpente. / Jamais o mal será feito /  a nenhuma criatura. / Será o reinado perfeito / da bondade e da ternura. / Pois como a água enche o mar, /  nesse  dia há de o Senhor /  a  terra  inteira inundar / de paz, de justiça  e  amor.”


(Crônica publicada na edição de hoje do Jornal do Povo)