Aprovado no final de 2020 e promulgado em janeiro pela Câmara, Refis Municipal não deve sair do papel

Lei aprovada pelo Legislativo, se entrar em vigor, pode acabar em improbidade administrativa

O Programa de Recuperação Fiscal aprovado em dezembro passado pelos vereadores de Maringá, faltando duas sessões para o final da legislatura passada, embora promulgado no último dia 25 dificilmente sairá do papel. O Refis não vai apenas beneficiar em relação a multas e juros de débitos, em dívida ativa ou não, mas também o valor principal do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, devido até 5 antes da pandemia. Se for aplicado, poderá resultar em ações de improbidade administrativa contra os chefes do Executivo e o Legislativo.

O projeto de Refis (lei complementar 1.262), de autoria do então vereador Odair de Oliveira Lima, o Odair Fogueteiro (PDT), é considerado ilegal, pois contraria a Constituição e caracteriza renúncia de receita. Mesmo assim, recebeu parecer favorável do Jurídico do Legislativo e foi aprovado no final de 2020. Enviado para sanção do prefeito Ulisses Maia (PSD), que preferiu não vetar o projeto, que recebeu dois pareceres técnicos contrários, e o devolveu ao Legislativo sem sancionar. O presidente da Câmara, Mário Hossokawa, então promulgou o texto.

Apesar da promulgação, que tem o efeito de sanção, caberá ao município regulamentar a lei por meio de decreto, no prazo máximo de sua publicação – ou seja, até o próximo dia 25. Ao regulamentar algo inconstitucional, haverá o risco de improbidade administrativa. A regulamentação deverá ser feita pela Secretaria de Fazenda, a mesma que deu parecer contrário ao projeto.

Um documento contendo detalhes da operação ilegal foi enviada ao Ministério Público Estadual e ao Observatório Social de Maringá. O material informa que teria ocorrido um “acerto” envolvendo seis vereadores e uma grande instituição de ensino da cidade, que seria beneficiada com o Refis. A instituição deve cerca de R$ 25 milhões aos cofres públicos e, com base na lei aprovada em dezembro, teria uma redução de 72,55% do total da dívida, que ficaria em R$ 6,8 milhões. Aqui, na íntegra, a lei promulgada este ano.

Trecho final do parecer da GFE, da Sefaz

De acordo com parecer da Secretaria Municipal de Fazenda, de um mês atrás (4 de janeiro), o Refis aprovado pelos vereadores afronta a Lei de Responsabilidade Fiscal pois altera a alíquota de base de cálculo dos tributos. O parecer da Gerência de Fiscalização Econômica da Sefaz é contrário “à concessão de descontos sobre os valores principais dos créditos, ainda que atualizados, pois viola o ordenamento jurídico-tributário no concernente a aplicação da alíquota mínima do ISS”, referindo-se a lei complementar federal 157/2016, que alterou a lei geral do ISS, proibindo aos municípios concederem isenções, incentivos ou quaisquer outros benefícios tributários, inclusive de redução de base de cálculo, que resulte em carga tributária menor que a decorrente da aplicação da alíquota mínima de 2%.

Depois de apontar a redução da alíquota aplicável para 1%, o parecer da GFE aponta que não parece razoável “agraciar um contribuinte inadimplente perante o fisco com uma alíquota menor (e irregular) a fim de que cumpram o seu dever, ferindo o senso de justiça daqueles contribuintes que praticam o mesmo fato gerador e em dia com suas obrigações”.

A manifestação pelo veto ao projeto foi reforçada dois dias depois pelo secretário de Fazenda, Orlando Chiqueto Rodrigues. “O Refis surge com a justificativa de que servirá para incrementar a arrecadação de tributos, reduzir dívidas de contribuintes e incentivar empresas a recuperarem a adimplentes com o Fisco Municipal. A cada Refis implementado no município de Maringá, milhões de reais de recursos públicos são renunciados pelo município, além de causar prejuízos indiretos ocasionados pela perda na arrecadação espontânea, que também superam a casa dos milhões de reais”, diz trecho da manifestação. “O Refis acaba beneficiando também grandes empresas e setores econômicos que os usam para monetizar seus negócios. Tal uso é indevido, e violam princípios constitucionais importantes, como, por exemplo, a capacidade contributiva e a livre concorrência”.

Como a promulgação prevê, em seu artigo 14, que cabe ao chefe do Executivio regulamentar a lei através de decreto no prazo de 30 dias, resta esperar o próximo dia 25 para ver que tipo de satisfação se dará – aos contribuintes e ao Ministério Público.

Em abril de 2019, Fogueteiro ajoelhou-se pedindo aprovação do Refis

projeto que institui o Programa de Recuperação Fiscal e beneficia inadimplentes de tributos como o IPTU e o ISSQN foi colocada para votação em regime de urgência, o que é incomum. Em abril de 2019 o vereador Odair Fogueteiro havia apresentado projeto semelhante e chegou a ficar de joelhos pedindo que seus colegas aprovassem a proposta, que acabou rejeitada.

Os pontos preocupantes do Refis apontados pela Secretaria de Fazenda foram: impossibilidade de parcelar e/ou quitar parcialmente débitos de imóveis com copropriedade, excluindo da execução fiscal e concedendo CND ao coproprietário que regularizar sua fração ideal dos débitos; impossibilidade de conceder redução do valor principal dos débitos de ISSQN, uma vez que isto gera redução indireta da alíquota do imposto, contrariando a emenda constitucional 37/2002 e lei complementar 157/2020; falta de clareza ao texto, que deve propor o desconto dos juros de financiamento como propõe o texto original. A falta de estimativa do impacto orçamentário-financeiro, os prazos para início e término do Refis, assim como as datas de vencimento das parcelas, foram outras preocupações colocadas pela Sefaz. Há ainda a o temor de que empresas prejudicadas com o artigo 9 do projeto ingressem judicialmente contra o município para reaver possíveis prejuízos alegando afronta à isonomia. A Procuradoria-Geral do Município também manifestou-se pelo veto.

A lei foi promulgada dia 25 de janeiro