Escárnio

Como se sabe, o ex-ministro Eduardo Pazuello faltou com a verdade em seu depoimento à CPI da Covid, distorcendo a realidade e negando os fatos. Assim agiu para salvaguardar a si e, principalmente, ao Presidente da República. Assumiu toda a responsabilidade pelo negacionismo científico e pela inação do governo federal no combate à pandemia do coronavírus. O resultado foi a tragédia sanitária atual. O ex-ministro, já fora do governo, prosseguiu com a mesma lealdade a Bolsonaro. E foi recompensado por isso.

Algum tempo após o depoimento à CPI, Pazuello participou no Rio de um encontro de motoqueiros e de uma manifestação política a favor de Bolsonaro. Nesse dia e nesse ato político ilegal (as reuniões públicas estavam proibidas no Rio de Janeiro, tanto por decreto estadual quanto municipal), Pazuello subiu a um carro elétrico na companhia de Bolsonaro e discursou aos presentes. Houve aglomerações na “muvuca política” bolsonarista. Ademais, nem Pazuello nem Bolsonaro (e a maioria dos participantes) usavam máscaras. Ambos escarneceram dos brasileiros, especialmente daqueles milhares que foram infectados e mortos pelo novo coronavírus, de seus parentes, amigos, colegas de trabalho e de profissão. Eduardo Pazuello, como general da ativa, infringiu o regimento militar.

O Exército abriu procedimento disciplinar, mas foi ele absolvido. (A pergunta que se põe agora é se o Exército continua a ser uma instituição de Estado ou passou a ser apenas uma instituição de governo? Do governo Bolsonaro? ). Porém, nada disso impediu que o presidente afrontasse o país e suas instituições ao nomear o ex-ministro para o cargo de secretário de Estudos Estratégicos da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Mas, nesta semana, a zombaria presidencial foi além. Dirigindo-se aos seus apoiadores, ao comentar as críticas que tem recebido sobre o irrisório valor do auxílio emergencial (R$ 250,00, em média), disse: “Como é endividamento por parte do governo, quem quer mais vai no banco e faz empréstimo.” (Cf. Valor Econômico, de 01/6/21).

O escárnio é, nesse caso, de uma desumanidade e insensibilidade indescritíveis. (É como se tivesse oferecido um prato de comida quase vazio a uma pessoa faminta e disesse: Farte-se! Se achar pouco, vá ao mercado e compre mais!). O presidente desdenha e zomba dos brasileiros desempregados, dos vendedores ambulantes, sem trabalho e sem renda, enfim, dos que passam fome! Desdenha dos que adoecem de covid no transporte público (em ônibus, trens e metrôs superlotados), e em suas acanhadas habitações, apinhadas de gente, ou, quando não, nas moradias embaixo de pontes, de viadutos e nas ruas.

Um presidente que se diz cristão e evangélico devia ter em conta a admoestação bíblica aos que desdenham dos oprimidos e menosprezam o saber: “Até quando se deleitarão no escárnio os escarnecedores, e odiarão os insensatos o conhecimento?” (Provérbios 1-22).