Quousque tandem?

“As verdades podem ser nuas – mas as mentiras precisam estar vestidas. – Provérbio Judaico”

“Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência? (…) Não vês que tua conspiração foi dominada pelos que a conhecem?”. A frase de Marco Túlio Cícero dirigida ao conspirador Catilina, no senado Romano de 63 A.C, nunca fica velha. Nos dias atuais, serve para ilustrar a indignação e o esgotamento da paciência daqueles que têm a mínima capacidade de raciocinar e identificar o que é ou não uma Fake News, de onde vem e para que, ou a quem serve.

Não é novidade que a difusão de notícias falsas, que alimentam a desinformação, é uma ferramenta poderosa de manipulação da opinião pública para atingir objetivos político-ideológicos ou econômicos. A fundação do nazismo está aí para comprovar a eficácia da estratégia. Sobre o cenário europeu naquele momento, George Orwell já dizia que “o peculiar à nossa época é o abandono da ideia de que a história pode ser escrita de forma verdadeira”.

A frase parece um desenho da atualidade. Há estudos que sugerem que uma nova onda – ou tsunami! – de desinformação começou a partir de 2016, com a (re) ascensão do populismo e do nacionalismo ao redor do mundo. Na última década, a mentira passou a ser chamada por outro nome: pós-verdade. A tática é usar partes de um acontecimento real, mas com a formulação de mensagens emocionais e sentimentais que podem ser compartilhadas mais rapidamente e sem a devida checagem.

A pandemia de Covid 19 foi pródiga na disseminação de desinformação no Brasil, numa velocidade comparável à da propagação do vírus que matou 700 mil brasileiros. Na época, observamos os negacionistas atentando contra a eficácia da vacina, divulgando tratamentos ineficazes, duvidando do isolamento dos doentes e criando situações artificiais que acabaram prejudicando o trabalho dos profissionais sérios da área da saúde.

Agora, com a tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul, as plataformas virtuais foram novamente inundadas de notícias falsas, e não faltaram discursos desvirtuados e postagens mentirosas, para usar a expressão adequada. Mais uma vez somos testemunhas de atitudes de gente inescrupulosa, que quer se aproveitar da desgraça alheia, seja para fazer política ou para ganhar dinheiro.

Além de lidar com os efeitos da catástrofe climática, as autoridades gaúchas gastam tempo e energia para desmentir dados falsos, como as primeiras notícias sobre o número de mortes, imagens de outros locais que foram atribuídas ao desastre no Rio Grande, ou ainda que caminhões com donativos estavam proibidos de circular pelo Estado, assim como embarcações particulares não poderiam atuar no resgate de pessoas.

Mas como estancar um ciclo vicioso alimentado por aproveitadores que sabem que a nossa sociedade está infectada pelo vírus da curtida? E é fato que toda postagem que gera comoção amplia engajamentos em perfis das redes sociais. Isso que movimenta cifras bilionárias e, no pé da montanha de dinheiro, há recompensas financeiras para conteúdos que ajudem a segurar e ampliar a audiência.

Claro que há muita gente fazendo coisas boas no universo digital e que a internet ampliou e democratizou o acesso ao conhecimento. Mas o que estamos tratando aqui é de uma política enviesada das big techs ao não impor filtros sobre a qualidade e a veracidade do que é divulgado. Neste ponto, não podemos esquecer dos ataques de Elon Musk, que é dono da plataforma X (antigo Twitter), ao Supremo Tribunal Federal (STF) por causa do bloqueio de contas que espalharam desinformação.

Chega de relativismos e subjetividades que só servem para abrir espaço para que mais espertalhões apareçam, e para que a desinformação se espalhe de modo ainda mais rápido. As fake news representam uma ameaça à democracia e à coesão social. Combatê-las exige responsabilidade coletiva e vigilância constante para que mentiras deixem de ser propagadas, seja lá qual for o interesse e a conotação.

No episódio trágico do Rio Grande do Sul, as redes sociais se converteram – de novo – no repositório daquilo que Cícero combateu com as catilinárias. Seus discursos viraram um marco da oratória e ajudaram a desmascarar uma conspiração. Da mesma forma, nos cabe enfrentar e denunciar, sem tréguas, qualquer tentativa de induzir a sociedade ao erro. Temos direito à integridade da informação. É com a verdade que vamos construir a cultura de respeito à diversidade de opiniões.


(*) Luiz Claudio Romanelli é advogado, especialista em gestão urbana e cumpre mandato de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Paraná pelo PSD