O “Estraga-Lar”

O peixe apimentado ia apimentando cada vez mais o paroleio. Daí a pouco teve início a sessão de queixas e reclamações. O que falou menos mal da cara metade disse que a dita dormia sem dentadura

Quem me contou foi um amigo capixaba. Segundo ele, havia em Vitória um boteco famoso conhecido como “Estraga-Lar” – apelido que botaram nele por conta de um peixinho frito ali servido todo fim de tarde com cerveja ou caipirinha. O freguês saía do trabalho e dava uma passadinha lá pra lubrificar as vias digestivas. Daí que a cônjuja ficava esperando o respectivo em casa, ele não aparecia, e ela de logo dava conta do acontecido: “Encalhou no Estraga”.

Lares vários já haviam sido estragados pelo tal peixinho. Já dera desquite, divórcio, até muita bordoada de mulher nas costelas do desaforoso. O sujeito chegava lá e encalhava mesmo. Quem entrava não saía fácil. Não era talvez nem tanto pelo peixe, nem mesmo pelos repetidos goles. Era mais pela prosa. O pessoal chegava, agarrava na conversa, falava de tudo: de política, de façanhas amorosas, de futebol, até (preferentemente) de intimidades da alheia vida.

Lá um dia, num súbito, entrou no “Estraga” uma insólita presença de saia – Dona Zuca. Pediu peixe, pediu pinga, só ela de mulher na roda barbuda. Os biriteiros estranharam de início, depois fizeram festa. Quem sabe outras tantas resolvessem também frequentar a casa, assim inspirando mais animados papos.

Dona Zuca entrou de sola na conversa. Provocou os papudos para que falassem de suas “puladas”. De cara cheia, eles abriram o baú das confissões. Ela se ria e dava corda. “Mulher é isso”, celebrou lá do fundo um dos bicancas. “Vai ser a rainha do Estraga”, propôs outro.

Machão perto de mulher fica mais empinado ainda. Cada um contava proeza maior.

O peixe apimentado ia apimentando cada vez mais o paroleio. Daí a pouco teve início a sessão de queixas e reclamações. O que falou menos mal da cara metade disse que a dita dormia sem dentadura. Dona Zuca fingia nem imaginar o que ali já falara dela o marido, que naquela tarde ela conseguira prender em casa mediante um purgante servido no almoço.  

“Vamos lá, pessoal”, sarreava ela, desafiando a homarada a encher mais a cuca. E tome peixe, e tome pinga, e deixa a prosa correr solta, que quanto mais solta mais comprometedora. Ela se rindo. Os caras nem desconfiando. Se alguém tentava mudar de assunto, ela cutucava: queria ouvi-los falar o máximo de suas traquinagens adulterinas. 

Até que… tchan-tchan-tchan-tchan… Na televisão do boteco entrou o Cid Moreira com o telejornal. Era a hora combinada. Dona Zuca chegou na porta e deu o sinal com um apito. Umas trinta senhoras, que estavam de tocaia na esquina, invadiram o “Estraga-Lar”.

Maridos cercados, Dona Zuca tirou da bolsa um gravador e fez rodar a fita. A pecadaria gravada arrepiou mais ainda a zanga das traídas. Foi a maior pancadaria já registrada nos anais do botequim.


(Crônica publicada na edição de ontem do Jornal do Povo)