A arte de dar nome

Desde sempre teve o homem por função, entre outras tantas, dar nome a tudo o que diante dele exista. Faz isso geralmente de três formas, todas elas muito inteligentes e criativas

Está escrito: “Formou Deus da terra toda espécie de animais campestres e de aves do céu, e os conduziu ao homem para ver como ele os chamaria…” (Gên 2,19)

Vê-se, pois, que desde sempre teve o homem por função, entre outras tantas, dar nome a tudo o que diante dele exista. Faz isso geralmente de três formas, todas elas muito inteligentes e criativas: a) objetivamente, isto é, considerando as características e finalidades da coisa a ser nominada; b) metaforicamente, isto é, dando a uma coisa (por analogia) um nome antes pertencente a outra (“aliquid pro aliquo”); c) imitativamente, isto é, dando à coisa um nome cuja pronúncia lembre o som natural dessa coisa (onomatopeia).

Nominação objetiva – Inventado, por exemplo, um aparelho capaz de transportar a voz a lugares distantes, deu-se a esse aparelho o nome de “telefone” (tele = longe + fone = som, voz). Assim também “bicicleta” (bi = dois + ciclo = roda); “periscópio” (peri = em redor + scopio = ver); “termômetro” (termo = calor, temperatura + metro = medida).

Nominação metafórica – Por exemplo: os primeiros anatomistas viram certa semelhança entre o bíceps e o rato (mus, muris em latim), e deram-lhe o nome de “músculo” (diminutivo de mus, ou seja, ratinho). “Tíbia” era o nome de uma espécie de flauta; pela semelhança da forma, um dos ossos da perna (canela) passou a ser “tíbia” também. Quando o ovo cai na gordura quente, toma a forma de uma estrela; daí dizermos “ovos estrelados” (embora alguns prefiram dizer “ovos estalados”, talvez em razão do “estalo” ouvido ao se quebrar a casca). Nessa arte a criatividade popular é realmente inesgotável. Os nomes das partes do corpo humano estão presentes em numerosas catacreses (nomes tomados por empréstimo): árvore genealógica, barriga da perna, boca da ponte, braço de rio, cabeça de prego, dente de alho, mão de pilão, olho d’água,  pé de vento, raiz do problema.

Nominação imitativa (onomatopeia) – É provável que seja essa a maneira mais antiga de dar nome às coisas. Alguns exemplos: bangue-bangue, bem-te-vi, cacarejo, ceceio, clique, cochicho, pingue-pongue, pio, quero-quero, reco-reco, ronco, tintim,  tico-tico, tique-taque, uivo, xixi, zunzum. E é também assim que as crianças dão nome aos bichos: au-au, có-có, miau, piu-piu…


(Crônica publicada na edição de hoje do Jornal do Povo)