A eleição da Vênus
“Vênus Calipígia!”, repetiu de boca unânime a diretoria das “Vapinhas”. Todos tinham razoável noção do que fosse Vênus. De “calipígios”, contudo, pareciam pouco entender (será?)
Era, sem dúvida, uma escola de samba muito original, descontraída até no nome: “As Vaporosas’”, que aliás na época andava em campanha arrecadatória de fundos. Não exatamente com vistas a cobrir os ditos das cujas; muito pelo contrário: o povão tanto mais aplaudia as moças quanto mais ventiladas fossem. Os fundos seriam para reequipar a bateria, comprar novas fantasias, adornos diversos e outros ziriguiduns.
Os diretores decidiram que para animar a campanha (e aumentar o ganho com a venda de talões de votos) haveria de surtir bom resultado a eleição de algo assim como rainha ou miss, porém que não fosse uma coisa nem outra. “Vamos pedir umas ideias ao professor Polyclínio”, sugeriu um dos participantes da reunião, e lá foram eles consultar o sábio da cidade.
Machadiano havido e celebrado como dono da maior biblioteca do lugar, o velho e respeitado mestre sintonizou a inspiração nas graças da Grécia antiga, coçou o cavanhaque, riu por dentro, botou pra fora a solução: “Elejam a Vênus Calipígia. Nenhum título expressará mais abundantemente o essencial nas artes do requebrado…”
“Vênus Calipígia!”, repetiu de boca unânime a diretoria das “Vapinhas”. Todos tinham razoável noção do que fosse Vênus. De “calipígios”, contudo, pareciam pouco entender (será?). Mas o professor falou, tava sancionado. Soava bonito, gordo, macio, chique, solene. “Vênus Calipígia” ficou sendo o epíteto.
Operava-se a venda dos votos durante os ensaios da escola de samba, assim de gente nas arquibancadas, o animador com o microfone em punho assanhando as torcidas, as candidatas calipigiando na passarela.
“Reparem no calipígio dela!”, provocava com seu vozeirão barroco o inocente espíquer. Bum-bum… bum-bum… bum-bum-bum, ritmavam onomatopaicamente os bumbos, como se soubessem traduzir o grego.
A claque de cada concorrente gritava hip-hip-hurras, sacudia bandeirolas, levantava faixas, enquanto a comissão julgadora fazia o maior suspense.
Abertas, afinal, ruidosamente, as urnas, a falta de iniciação em cultura clássica fez diferença mínima. A intuição do eleitorado mostrou-se mais uma vez atenta e por polpuda maioria de votos deu o título a Margaridinha Pureza, sedutor arranjo de rotundas, bem-distribuídas e bronzeadíssimas virtudes.
Ah, sim, quanto ao significado de “calipígio”, o pessoal das “Vaps” só deu pela coisa bem depois, quando um dos diretores, por acidental curiosidade, resolveu conferir no dicionário. A partir daí nenhuma outra Vênus se fez eleger por lá.
(Crônica publicada na edição de hoje do Jornal do Povo)
Foto: Pixabay