Teocracia maringaense

Não bastasse a simbologia escancarada, anuncia-se agora o Festival Medieval, com garbo e pompa. É quase cômico. Não se precisa de semiótica para decifrar os novos decretos imperiais. São explícitos, tenazes e carregados de orgulho aristocrático. Os bobos da corte, claro, aplaudem em regozijo.

Malgrado o conservadorismo e o elitismo fundantes que constituem o ethos da Cidade Canção — agora desafinada e regida por uma música triste — a gestão Silvio 3, repaginada e revigorada pelo bolsonarismo, revela uma nova camada de pele: mais áspera, escamosa e reacionária.

Sim, vivemos tempos reacionários. Reagir às conquistas humanitárias, retroceder nos pactos civilizatórios mínimos, revisitar — com espantoso entusiasmo — a barbárie da Idade Média e o velho testamento. Um tempo de trevas, onde o medo do inferno guiava corações e mentes, e a obediência cega à Igreja e aos senhores feudais era lei inconteste. Ai de quem ousasse pensar diferente: o destino era a fogueira, as torturas do Santo Ofício ou o exílio da razão.

Agora, nesta distopia local, em pleno século XXI, o castigo volta à cena. Ressurge não como símbolo histórico a ser superado, mas como solução pedagógica defendida em discursos oficiais. A palmatória — instrumento de madeira usado para açoitar escravos e crianças — volta à pauta, invocada como alegoria de ordem e segurança pública. É a pedagogia do medo travestida de gestão moderna. “Cidade inteligente”, bradam, num clichê decadente, enquanto ideias medievais se alojam no coração da máquina pública.

Eis o retrato: um gestor que se diz moderno, mas pensa com a lógica dos hominídeos feudais. “Se puder eliminar, elimine” — vocifera o bigode bélico que nunca leu um livro, mas que maneja com destreza o evangelho do medo e a aniquilação da cultura.

Toda proposta teocrática tem como base o sufocamento do pensamento e a interdição da diversidade de ideias. E nessa lição, a nova teocracia maringaense tem se mostrado diligente. Os vassalos cumprem com zelo as ordens do castelo: exposições sobre a história da maçonaria surgem em espaços públicos como grandes feitos civilizatórios. A antiga ordem secreta agora se pavoneia em sua glória, usando o aparato do Estado para massagear os caprichos do secretário-office boy e porteiro da corte feudal.

Homenagens ao Dia do Trabalhador? Apreciação de festividades nacionais e elevação da cultura popular brasileira? Jamais! Essa é uma efeméride do passado — irrelevante numa cidade erigida pela sociedade civil empresarial e pelo capital privado. O trabalhador, aqui, é apenas engrenagem silenciosa. O palco é reservado aos patronos, aos arautos da moral e à elite espiritual.

Não bastasse a simbologia escancarada, anuncia-se agora o Festival Medieval, com garbo e pompa. É quase cômico. Não se precisa de semiótica para decifrar os novos decretos imperiais. São explícitos, tenazes e carregados de orgulho aristocrático. Os bobos da corte, claro, aplaudem em regozijo.

Diante de tudo isso, deixo uma singela sugestão à nova teocracia maringaense: transfiram a sede do Paço Municipal para o castelo dos Arautos do Evangelho — ordem reacionária do catolicismo medieval, especialista em anúncios solenes de guerras santas e mensagens da realeza celeste. Suserania e vassalagem, enfim, estariam em lócus e pompas adequadas.

A Cidade Canção acorda em ressaca histórica, embalada por um cântico celta soturno e desafinado. Nunca imaginei que parafrasearia um baixinho que já nos deu alegrias em tempos mais lúdicos, mas a frase é hoje tristemente precisa:
“Agora toda a corte está feliz: o rei, o príncipe e o bobo.”


(*) O Barão do Olavo do Ingá é súdito e também atende por Julinho da Adelaide do Ingá