Vem aí mais uma alteração no traçado original da outrora ‘cidade planejada’
De acordo com a concorrência nacional para requalificação do espaço público do Eixo Monumental de Maringá, no valor estimado em R$ 50.273,425, 05, dos quais a maior parte sairá dos cofres municipais (R$ 30 milhões), as primeiras intervenções começarão, no lote 1, em três trechos, com a execução dos serviços de instalações provisórias, administração local da obra, demolições, retiradas e movimentação de terra, locação da obra, urbanização, drenagem pluvial, instalações hidráulicas, rede elétrica e telecomunicações, sinalização viária, iluminação pública, mobiliário urbano, quiosques e coberturas, paisagens, entre outros.
Troquemos o ângulo. Haverá com a construção do eixo o apagamento de mais uma parte da história de Maringá, repetindo-se o que aconteceu com a praça Napoleão Moreira da Silva, completamente “modernizada”, ali estando enterrado o desenho de José Augusto Bellucci, o mesmo que fez a Catedral, maior cartão postal da cidade. Talvez fosse inevitável passar também por cima de Jorge Macedo, mas Maringá tornou-se o que é hoje por ser uma das poucas “cidades planejadas” do Brasil. Hoje, prefere títulos mais pomposos, como uma das melhores para se viver no Hemisfério Sul.
Há uma semana o Ipplam foi consultado, se diante do eixo haverá a manutenção ou não do parlatório, erguido defronte o desativado Hotel Bandeirantes, e parte fundamental da reurbanização feita em 1987 pelo então prefeito Said Ferreira. Até agora o Ipplam não respondeu. A dúvida remete a outra, a permanência das palmeiras em forma da Catedral, como se fosse sua sombra, genial ideia de Annibal Bianchini, o jardineiro da cidade. No início do ano passado, quando se levantou a lebre, garantiram que as palmeiras não seriam mexidas, apesar de o projeto aprovado não mostrar isso (conforme se verifica aqui).
Said Ferreira, lembre-se, juntou as duas praças que havia entre as avenidas Tiradentes e XV de novembro, uma retangular (praça Desembargador Franco Ferreira da Costa, com chafariz) e outra redonda (praça Dom Pedro II, onde as árvores eram a marca registrada). Historicamente, um erro, pois as praças eram do traçado do engenheiro paulistano Jorge Macedo, que desenhou a cidade para a Companhia Melhoramentos. A junção não foi feita apenas por questões estéticas, para agradar o Judiciário (o Fórum inaugurado anos antes nas imediações) ou de mobilidade – que, aliás, era melhor que hoje, pois permitia um trânsito mais tranquilo naquele trecho -, mas porque havia reclamações sobre o uso do local por prostitutas e um intenso movimento logo ali, perto do paço municipal. Interromperam-se vias, como a rua Arthur Thomas, por causa disso, acredite.
Said já tratava do chamado Novo Centro, iniciada na segunda gestão João Paulino Vieira Filho (1976-1982), e quando viu o quanto sairia caro um Novo Centro com o projeto de Oscar Niemeyer resolveu reproduzir, em escala menor, a ágora – local em que o berço da democracia, a Grécia, permitia aos cidadãos se manifestarem. Ágora era o tema do projeto contratado em 1985 por Said junto a Niemeyer, ocuparia cerca de 206 mil metros onde hoje a cidade está tomada por prédios. Ele fez os cálculos, achou caro, optou por arquivar o projeto decidiu construir o Centro de Convivência Comunitária Deputado Federal Renato Celidônio, um dos maiores políticos que Maringá já teve, respeitado e com assento no então importantíssimo Instituto Brasileiro do Café.
Portanto, o centro de convivência comunitária, que a própria prefeitura hoje insiste em chamar de praça, desmerecendo a razão de sua existência, foi uma espécie de substituto ao megaprojeto de Niemeyer, que, por outras razões, deve virar um auditório em forma de livro, graças a cerca de R$ 65 milhões levantados por um deputado federal.
O parlatório da ágora (ou centro de convivência comunitária) foi usado poucas vezes, por causa da localização e do hotel fechado, mas está lá. Em tese, quem quer usá-lo deve subir lances de uma escada, dirigir-se para um (ou mais) dos três poderes que estão nas proximidades (só o Legislativo está mais ao fundo, quase escondido atrás da Catedral) e soltar o verbo, fazer como os gregos faziam.
Foi até sugerido que o parlatório recebesse o nome do jornalista Verdelírio Barbosa, nome da fala e das letras, enfim, da comunicação, mas, como não tem um currículo como o de Luizinho Gari, permanece na fila para talvez, quem sabe, um dia, ser homenageado – assim como parentes de vários políticos que hoje dão nomes a próprios públicos.
Pois se primeiro transformaram duas praças em uma só, alterando o anteprojeto de Macedo, agora vão possivelmente usar a borracha para apagar a obra de Said. É mais um episódio do processo, que ao menos poderia ser lento e gradual, de esquecimento da história de Maringá, que não tem uma política de preservação do trabalho dos primeiros habitantes e primeiras autoridades e que não se preocupa com o restauro de seus próprios públicos mais importantes – querem ‘revitalizá-los’, ‘transformá-los’, para colocar uma nova placa de metal com os nomes dos políticos do momento, ou simplesmente derrubá-los, como foi feito há mais de uma década com a Estação Rodoviária Municipal.
O encontro, em outra vida, dos que pensaram e construíram os fundamentos que tornaram Maringá no que é, com os que agiram e agem contra eles em troca de favores indescritíveis, vai ser interessante. Isso se todos estiverem no mesmo lugar, claro – no paraíso ou no inferno. Como diria o bordão repetido ao final do “Medo e Delírio em Brasília, que Deus nos proteja.
Fotos: Postal Colombo/ Museu da Bacia do Paraná/MN/Natureza Urbana/Google Earth