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Em nota, Padre Leo justifica decisão

Depois de não comparecer ao almoço de 40 anos do PT, onde seria lançada sua pré-candidatura, o padre Leomar Antonio Montagana divulgou nota em que explica sua decisão de permanecer na arquidiocese.

” Ouvi muita gente e senti a proximidade e a ternura do coração grandioso de várias pessoas. Mas também sofri com ofensas e maldades de gente que, sem me conhecer e, penso que, sem a experiência do amor de Deus, desfilaram o que tinham em seus corações: imaturidade e desconhecimento do verdadeiro sentido da política, a eles desejo que a graça de Deus venha socorrê-los”, diz trecho da mensagem. Confira a íntegra abaixo:

“Maringá, 9 de fevereiro de 2020

Primeiramente, gostaria de dizer que, nestes quase trinta anos de meu ministério presbiteral, vivi e vivo com grande zelo, responsabilidade e doação, seja nos serviços de pároco, assessoria de pastorais, movimentos, professor, coordenador do curso de filosofia no Instituto Filosófico Arquidiocesano ou na PUCPR – campus Maringá, seja em outros serviços na Arquidiocese de Maringá ou fora dela.

Tendo em vista que, em meu ministério, sempre me dediquei ao trabalho de formação direcionada ao ensinamento da Doutrina Social da Igreja que preza pelo cuidado com os mais fragilizados da sociedade e a grande crise constatada em nossa realidade: ética, jurídica, econômica e política, várias pessoas foram apelando para que eu fosse atuar e contribuir no mundo da política, chegando à situação do momento que foi a de indicar meu nome como pré-candidato a prefeito de Maringá.

Sei da grande responsabilidade e da complexidade que envolve tal realidade, desprezada por alguns ou vista como caminho de grandes desafios, mas também tão necessária para a organização e o bom andamento da nossa sociedade. Mesmo que alguns pensem que ninguém fique imune de ser atingido pelos vícios maléficos até então presenciados nesta realidade, mesmo assim, penso que “não há salvação” para a humanidade fora do mundo da Política.

Nossa Igreja Católica sempre ensinou que a “política é a melhor forma de viver a caridade”, caridade entendida como promoção humana, bons projetos políticos, políticas públicas etc., nos quais os mais fragilizados da sociedade possam receber por direito e não por humilhação e mendicância.

“A política, tão desacreditada, é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum. Temos de nos convencer que a caridade ‘é o princípio não só das micro-relações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das macro-relações como relacionamentos sociais, econômicos, políticos’. Rezo ao Senhor para que nos conceda mais políticos que tenham verdadeiramente a peito a sociedade, o povo, a vida dos pobres. É indispensável que os governantes e o poder financeiro levantem o olhar e alarguem as suas perspectivas, procurando que haja trabalho digno, instrução e cuidados sanitários para todos os cidadãos… Estou convencido de que, a partir duma abertura à transcendência, poder-se-ia formar uma nova mentalidade política e econômica que ajudaria a superar a dicotomia absoluta entre a economia e o bem comum social” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium – A Alegria do Evangelho, nº 205, 24/11/2013).
“Lembremo-nos que ser cidadão fiel é uma virtude, e a participação na vida política é uma obrigação moral” (Idem, 225).

Tendo em vista os apelos das pessoas e os ensinamentos da nossa Igreja, penso que poderei contribuir frente a esses graves problemas que assolam as pessoas mais carentes e, em geral, toda a sociedade. Sempre fiz meu trabalho de evangelização pensando na salvação das pessoas, mas, sendo fiel à doutrina da Igreja, compreendo que, para salvar “almas”, temos que cuidar do corpo (“carne de Cristo”) e do ambiente onde as pessoas vivem: o que comem, onde moram, se seus direitos são respeitados, se são assistidos na saúde, se têm boa educação, se podem ter esperança no futuro etc. Compreendo que, onde há miséria material, ali prolifera a miséria moral e espiritual, portanto sinto que, para salvar “almas”, temos que salvar a pessoa na sua totalidade e criar condições para que tenhamos um mundo mais justo e com maior dignidade para todos. Assinalo aqui o que diz o Papa Francisco em relação a “salvar almas”:

“Os Pastores, acolhendo as contribuições das diversas ciências, têm o direito de exprimir opiniões sobre tudo aquilo que diz respeito à vida das pessoas, dado que a tarefa da evangelização implica e exige uma promoção integral de cada ser humano. Já não se pode afirmar que a religião deve limitar-se ao âmbito privado e serve apenas para preparar as almas para o céu. Sabemos que Deus deseja a felicidade dos seus filhos também nesta terra, embora estejam chamados à plenitude eterna, porque Ele criou todas as coisas para nosso usufruto, para que todos possam usufruir delas. Por isso, a conversão cristã exige rever especialmente tudo o que diz respeito à ordem social e consecução do bem comum” (Idem, 182).

Gostaria muito de prestar esse serviço e continuar no pleno ministério, mas sei que a Igreja, por orientação pastoral, solicita que o padre se afaste de suas funções pastorais e, inclusive, para que alguém não o acuse de estar usando o ministério em benefício próprio. Então, sendo assim, continuarei exercendo o ministério e contribuindo, como padre, com o ensinamento da Igreja que será sempre de defender a justiça e eliminar as causas que levam as pessoas à marginalização da sociedade. Espero que, num futuro não tão distante, a Igreja possa repensar quanto a este serviço por alguém da ordem hierárquica, pois, assim como temos padres em funções na vida artística, na mídia, na universidade e em outros setores, porque não como servidores no mundo da política?

Neste período em que passei refletindo nesse processo desafiador, pude contar com a compreensão, orações e solidariedade de muitas lideranças e pessoas comprometidas com o bem comum, principalmente dos irmãos no presbitério. Ouvi muita gente e senti a proximidade e a ternura do coração grandioso de várias pessoas. Mas também sofri com ofensas e maldades de gente que, sem me conhecer e, penso que, sem a experiência do amor de Deus, desfilaram o que tinham em seus corações: imaturidade e desconhecimento do verdadeiro sentido da política, a eles desejo que a graça de Deus venha socorrê-los. Penso que a política é a materialização de dois sonhos: o sonho de Deus e o sonho de todo ser humano. Jesus sintetizou esses sonhos quando disse “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham com abundância” (Jo 10, 10). Não haverá vida em abundância para todos enquanto não criarmos um mundo mais justo e solidário. A Igreja, em sua doutrina, sempre afirma ser uma tarefa especialmente dos fiéis leigos: o “altar dos leigos são as realidades temporais” (EG, 102). Então, como padre, continuarei e intensificarei o trabalho de formação para que os fiéis leigos sejam também cidadãos. Estarei, assim, na minha função presbiteral, conscientizando e animando pessoas e comunidades para que, juntos, sonhemos e concretizemos um mundo melhor possível: “Os fiéis leigos são ao mesmo tempo cristãos e cidadãos. São Igreja fazendo o mundo e são cidadãos do mundo que edificam a Igreja” (Puebla, 786).

Em Cristo, agradeço imensamente a todos que, unidos no serviço aos valores do Reino, souberam ser amigos e irmãos. Sempre disse que os amigos, embora nos conheçam, nos amam. Senti esse amor em muitas pessoas, essa experiência ficará para sempre em meu coração.

“O amor é mais forte do que a morte… Suas brasas são fogo ardente, são labaredas do Eterno. Nem mesmo as muitas águas conseguem apagar o amor; os rios não conseguem arrastá-lo correnteza abaixo. Quisesse alguém dar tudo o que possui para comprar o amor, qualquer valor seria absolutamente desprezado” (Ct 8, 6-7).

Pe. Leomar Antonio Montagna
Maringá – PR”

Para quem conhece a trajetória do Padre Leo, é só mais um capítulo em sua história. Ou seja, continuará a fazer política do púlpito, longe de enfrentar as urnas.