A arte imita a vida

De José Luiz Boromelo:
beijoO primeiro beijo da história do cinema aconteceu no filme “The Kiss” gravado em 1896, nos primórdios da sétima arte. O beijo foi filmado pelo inventor da lâmpada Thomas Edison e a cena que durou 20 segundos protagonizada pelos atores May Irwin e John Rice causou escândalo na época, chegando até ser censurado. No Brasil a história registra como pioneiros do beijo na televisão a atriz Vida Alves e Walter Forster na novela “Sua vida me pertence”, de 1951. De lá para cá muito coisa mudou. Os tempos são outros e os valores que norteiam a sociedade idem. Prova disso é o sensacionalismo criado por conta da exibição do último capítulo da novela que se findou. O folhetim angariou público de todas as faixas etárias. A emoção veio à tona, fechando com chave de ouro a trama que por meses teve público fiel. A cena do beijo entre dois homens (fato inusitado naquela emissora) foi aplaudida em todo o país e exaustivamente divulgada.
A primeira impressão desse comportamento aparentemente liberal por parte dos telespectadores é a de que caminhamos a passos rápidos para novos tempos. A imagem de pessoas com mais idade envolvidas no clima serviu como pano de fundo para a composição deliberada de uma nova mentalidade que assola nossa sociedade. É de se questionar os motivos pelos quais aqueles valores estratificados e incorporados no caráter das pessoas deixaram de existir ou foram repentinamente ignorados. Certamente muitos dos respeitáveis senhores e senhoras da terceira idade que se juntaram aos mais jovens para conferir o final da novela viveram na época em que se privilegiava o respeito e se procurava preservar os pilares da instituição familiar. Que força invisível induz os mais experientes a aceitarem passivamente a ousadia dos autores e diretores desse tipo de entretenimento? Tudo muito natural para os jovens da atualidade, numa época de liberalismos em que se exortam continuamente os direitos individuais (entre eles os da liberdade de expressão), pleiteados sob a égide da Constituição Federal.
Os atores protagonistas comentaram o momento polêmico. Entre outras declarações sobressaiu-se “… é uma cena que, se Deus quiser, vai reverberar na sociedade e em outros trabalhos. É um pequeno passo para a dramaturgia, mas um grande passo na sociedade”. Um plágio simplista, diante da repercussão do fato. Outros artistas afirmam que se criou um marco na televisão brasileira. Essa visão contribui ainda mais para reforçar as tendências progressistas, típicas daqueles envolvidos com a profissão. Esquecem-se de que as pessoas têm opiniões e conceitos distintos. E que apesar das demonstrações de “avanços” na conquista dos “plenos direitos” das classes consideradas discriminadas pela sociedade, existe um limite tênue que distingue a ousadia do bom senso comum.
Não é de se estranhar que coisas desse tipo sejam cada vez mais freqüentes num país onde proliferam programas de qualidade questionável. Enquanto rapazes desinibidos confinados com siliconadas despudoradas atraírem público, continuaremos a idolatrar tudo o que vier pela frente. O beijo foi apenas um pretexto, uma apelação fútil de caso pensado. Muito antes de representar qualquer sentimento de liberdade, o fato comprova que estamos mesmo na época das novidades. O brilho dos holofotes se encarrega de criar o lirismo indispensável para que tudo seja perfeito nas telas, porém bem diferente da realidade do dia a dia. Mas afinal, foi só um beijo inocente. O primeiro dos muitos que certamente virão por aí.
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(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista.