O corcel de dom Jaime

padreorivaldoJá está em casa, de volta, o corcel preto de Dom Jaime localizado em Goioerê. Ladrão estabanado: foi roubar logo o carro mais conhecido de Maringá!
Enquanto gozou de saúde, Dom Jaime nunca teve motorista. Gostava de dirigir. Primeiro, a perua cinza recebida na chegada, em março de 1957, do prefeito Américo Dias Ferraz. Era uma picape Willys, adaptada para imitar a Willys Station Wagon, precursora da nossa Rural Willys de saudosa lembrança. Não sei por quanto tempo ele manteve a famosa “perua do bispo”. Num ponto Dom Jaime não tinha vaidade: passava anos sem trocar de carro.
Quando os valentes jipes deram lugar aos primeiros fuscas, ele não viu muita graça na mudança. Acho que o assustou a visão do corpulento Dom Gregório Warmeling, bispo de Joinville, dentro de um. Encontrando-o, um dia, ao volante do próprio fusca, Dom Jaime não aguentou: “Dom Gregório, como o senhor entrou aí? De calçadeira?”. Preferiu um DKW Belcar branco, com o qual rodou por anos a fio. Não me lembro de outros carros. Até que ele adquiriu o corcel preto 1975.
Foi seu xodó, seu carro do coração. Tirante ele, poucos o dirigiram. Modelo de quatro portas, raro na época, era cobiçado por motoristas de praça. Queriam convertê-lo em táxi. Mas Dom Jaime pedia por ele o valor de uma Ferrari. Ninguém comprou. Na época, onde se via o corcelzinho, lá estava o bispo. Até as crianças sabiam.
Dono de palavra fácil, correção linguística e oratória inflamada, Dom Jaime esticava as pregações muito além dos dez ou quinze minutos recomendados para a homilia. Pregar meia hora ou quarenta minutos para ele era fichinha. Pessoas reclamavam que sua missa demorava demais. Ele ria.
Divertia-se ao recordar um causo que protagonizou. Num domingo, um senhor chegou à Catedral com o filhinho. Ao passar pelo pipoqueiro que ali faz ponto, o garoto pediu: “Papai, compra pipoca”. E o pai: “Depois da missa papai compra, filho”. Nisso, estaciona o conhecido corcel preto. O garotinho aproxima-se do condutor, que está descendo, e pergunta: “É você que vai ‘dar’ a missa?”. Ante a resposta afirmativa do bispo, o menino volta-se desolado para o pai: “Papai, compra pipoca agora!”.
Dom Jaime era bom motorista e disso se orgulhava. Tinha pulso firme, calculava bem as velocidades e os espaços, mas seu pé de chumbo punha à prova a fé do carona. Vez por outra, numa ultrapassagem apertada, pisava mais fundo ainda e chamava: “Santa Teresinha, Santa Teresinha!”. Padre Almeida e eu, que com ele cruzamos muita estrada paranaense e paulista, somos gratos a Santa Teresinha por nunca o (nem nos) ter deixado na mão. Em tantos anos de volante, jamais ele causou ou sofreu um só acidente.
Após muito tempo de uso, e quilometragem bem superior aos comentados 7.000 km, o corcel preto 1975 foi substituído por um Ford Del Rey 1990, presente de sua irmã Alice e seu cunhado. O corcelzinho ficou para circular por Maringá e arredores. Decorridos mais uns doze anos, atendendo às queixas do velho corpo, ele comprou um Ford Focus 2002.
De algum valor comercial foram os únicos bens que deixou. O corcel 1975 ele o legou à Arquidiocese; o Del Rey 1990, às Irmãs do Lar dos Velhinhos, e o Focus 2002, para as Irmãs do Núcleo Social Papa João 23. Embora doados por testamento já aberto em agosto passado, a Arquidiocese ainda não pôde dar-lhes a destinação querida pelo testador, porque está aguardando, até agora, a competente autorização judicial.

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