Do padre Orivaldo Robles:
Não sei qual a relação entre o número de habitantes e o de celulares. Acredito que seja de empate. Em média, um celular por habitante. Como o automóvel, o celular marca a vida contemporânea. Não adianta ficar bravo. Ambos vieram para ficar. Em qualquer cidade é provável que a parcela maior da população disponha de carro e de celular. Mais de um até. Para os veículos é um suplício garantir vaga de estacionamento ou garagem de prédio. Para os celulares, ao contrário, nenhuma restrição. Estão aí, de todos os modelos, tipos, cores e preços. Dotados ainda dos mais impensáveis recursos, que os transformam no mais avançado Bombril das famosas mil e uma utilidades. Celulares podem hoje ser usados até como telefones.
Que haverá de tão importante para a gente ficar falando o tempo todo? Faz dez, quinze anos, celular era luxo. Raríssimos homens – mulher, nem pensar – dispunham-se a andar com aquele tijolão. Preso à cintura, mais parecia o coldre de um revólver. Os tempos mudaram. Hoje, a criança nem sabe ainda falar direito e já exige o brinquedinho falante. Houve época em que falávamos menos, mas apreciávamos a vida bem mais. Desde cedo, respeitávamos como sagrado aquele clima de mistério em que o silêncio nos envolvia.
Das cenas de minha infância, uma, por volta dos cinco anos, me transporta à sela do cavalo, protegido pelo pai, em direção ao curral do Adolfo Moretti. Àquela hora, com um empregado, ele ordenhava o seu gado leiteiro. No pastinho da nossa casa, as três vacas, que o patrão houvera por bem trazer para nosso uso, tinham resolvido cortar juntas o fornecimento do leite que bebíamos. Essa pendenga durou meses. O pai resolveu o problema. Madrugada, às vezes com a lua minguante no céu, ele encilhava o cavalo e nos púnhamos na estradinha para buscar leite a três quilômetros de distância. Ainda me pergunto onde o pai aprendera o refrão que, às vezes, cantava: “É madrugada, / De longe eu vim. / Deixe a lua sossegada / E olhe para mim”. Era só o que ele conhecia da marchinha – vim saber mais tarde – que Almirante e Braguinha tinham feito para um carnaval, não sei de que ano. A lua alta no céu, com certeza, lhe refrescava a memória.
Eu trocava preciosos momentos de sono matinal pelo encanto daqueles instantes passados com ele. Quase não nos falávamos. Às vezes, eu fazia alguma pergunta. Ele respondia com calma. Bom era o calor do seu corpo, a me passar uma segurança que, bem mais tarde, fui sentir, sozinho, num lombo de cavalo. Talvez tenha nascido aí o gosto, depois praticado no seminário, de começar o dia em silêncio. Uma sabedoria milenar a nós legada, desde os primeiros séculos, pelo monarquismo cristão. Silêncio que as novas gerações desconhecem. No entanto, sem esse corajoso mergulho no interior de si mesmo, ser humano nenhum descobrirá o sentido da vida. Só o silêncio tem o dom de colocar-nos face a face com a Verdade.