Do padre Orivaldo Robles:
Quando pároco de Santa Maria Goretti, uma das três missas de domingo eu celebrava às sete da manhã. A assembleia compunha-se, na sua maioria, de pessoas cinquentenárias. Facilmente se via que não era a missa de maior participação dos jovens. Boa parte deles, após uma noite de balada, estava voltando para casa, enquanto os pais se preparavam para ir à igreja. Por brincadeira, até os frequentadores chamavam-na a “missa da tosse”. De maio a agosto, época do frio, era difícil discordar do ruidoso apelido.
Agora, na Catedral, eu celebro a primeira missa de domingo às sete e meia. Chego antes, por volta de seis e quinze. Com tempo para oração da manhã, uma repassada nos textos litúrgicos e uma curta meditação que faço aos agentes da celebração eucarística. Há cerca de dois meses, eu é que me vejo dando motivo para esta missa fazer-se conhecida pelo hilário nome. Com a Catedral ainda vazia, minhas ruidosas explosões bronquiais por pouco não sacodem as paredes. Ainda bem que são de concreto.
Preocupado, por duas vezes, meu pároco me fez correr ao pronto atendimento hospitalar. Que, embora muito bom, não conseguiu debelar-me por inteiro o mal. Os pulmões andam mais atacados do que eu pensava. Aí, Padre Virgílio aconselhou: “Vá a um pneumologista”. Fui. A simpática secretária conseguiu-me um encaixe na superlotada agenda do doutor. Compareci no horário indicado. Atendeu-me (por sinal, de forma excelente), após três horas e quarenta minutos.
Na sala de espera não cabíamos todos. E éramos só pacientes de convênio. Como eu, com o meu, bancado pela Catedral, que cuida bem de seus padres. Havia gente daqui e de outras cidades. Para resultados de exames, revisões, agendamento ou remarcação de consulta. Todos motorizados e portadores deste ou daquele plano de saúde. Comecei a matutar com meus botões: E os outros, que recebem exclusivo atendimento do SUS? Que alcançam, por baixo, 150 milhões, numa população de 195 milhões de habitantes do Brasil?
Sempre me impressionou o espetáculo de ônibus e ambulâncias zanzando pelas nossas ruas às seis da manhã. Saíram de municípios da redondeza, alguns retirados. Sabe-se lá a que hora da madrugada levantam esses enfermos, que se acomodam ali dentro. Com dores e desilusões que carregam há anos. E aqueles que saem de casa em jejum, porque farão exame às sete ou oito? Às vezes, a condução percorre longa via-sacra. Eles voltam para casa só de tardinha. Sem um naco de pão a lhes forrar o estômago.
Por isso, benditos os voluntários de nossas paróquias (também o irmão evangélico) que, sem alarde, intentam aliviar o padecimento desses infelizes. Diante do Cisamusep – o prédio do antigo INPS – se reúnem trazendo pão, manteiga, garrafas de leite, café e chá, de que se servem, muito gratos, os atendidos pelo SUS. Muitos confessam que só iriam comer em casa, quase de noite. De segunda a sexta-feira lá estão eles. Quem são? Irmãos.
Alguns dias ainda carecem de lanche mais substancioso. São, portanto, bem-vindos novos voluntários. Do tipo que leva a sério aquilo que o Senhor falou: “Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, eu era de fora e me acolhestes…” (Mt 25,35). Aos que estranharem Jesus dirá: “Lembra o doente pobre que, ainda escuro, chegava a Maringá, de ônibus ou ambulância, para ser atendido pelo SUS? Era eu”.