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A Quaresma

Do padre Orivaldo Robles:
Estamos no final da Quaresma. Ela termina com a missa da Ceia do Senhor, na quinta-feira santa. Não estranhem meus poucos e bondosos leitores que eu comente sobre religião. É assunto normal para um padre, não?
A Quaresma está no fim e, pelo que tenho conhecimento, ninguém topou com algum lobisomem. Nem conheceu quem tenha visto um. Pelo menos nestas paragens e por esses dias. Em tempos passados, quando nossos pais moravam no sítio, se, em horas perdidas de uma de noite sexta-feira da Quaresma, os cachorros latissem e rosnassem com ferocidade, dentro de casa as pessoas arrepiavam-se e sentiam um frio na espinha. Só podia ser o lobisomem, cujo hábito era justamente vagar durante a Quaresma, sempre pela meia-noite das sextas-feiras.
Na infância de gente da minha idade, sustentavam-se como verdades reveladas por Deus bobagens que hoje provocam riso até nas crianças. O lobisomem era talvez a maior. Mas havia outras ameaças e perigos. Os mais velhos sabiam que na Quaresma “não prestava” fazer muita coisa. Como casar, fazer festa, ir a baile (os jovens de hoje sabem o que é baile?), dançar, cortar cabelo, usar pintura, e por aí vai. Cometer tais “pecados” era provocar a ira de um Deus severo e vingador.
De tanto zombar de superstições do povo antigo, pessoas “instruídas” vêm abandonando valores cristãos insubstituíveis, elementos de fé verdadeira e solidamente fundamentada. Na ânsia de provar que é moderna, evoluída, descolada, muita gente atira no cesto do lixo tudo o que nossos antepassados nos transmitiram. É o conhecido engano de jogar fora a criança junto com a água do banho. Há práticas e costumes do nosso legado cristão – e olhe que não são poucos – dos quais nunca nos deveríamos ter desfeito. Se os tivéssemos conservado, é provável que desfrutássemos hoje de um mundo melhor do que esse em que vivemos. Não que algo seja bom simplesmente porque é antigo. Mas, de igual modo, não é automaticamente bom só por ser novo.
A Quaresma nasceu como uma pedagogia de preparação dos catecúmenos (candidatos) para receberem o batismo. Desenvolvia temas e práticas destinadas a levar à conversão (mudança de vida) todos os que se dispunham a aceitar Jesus como Salvador, Senhor de sua vida. Era uma caminhada de fé. Tomava por base os quarenta dias passados por Jesus no deserto, quando venceu as tentações do Mal (Mt 4, 1-11). Eram procedimentos tradicionais da Quaresma: a oração mais intensa e frequente, o jejum e o atendimento aos pobres, numa palavra, a penitência. Penitência não é tristeza nem flagelação do corpo. É a colocação de Deus como o mais importante da vida humana. Por isso a Igreja desaconselha a celebração de casamentos e de festas, que não fazem parte do espírito penitencial da Quaresma.
A Quaresma conheceu seu ponto alto nos quatro ou cinco primeiros séculos do cristianismo, época em que ninguém falava em católico, ortodoxo ou evangélico. Havia simplesmente discípulos de Cristo. Podemos, portanto, afirmar que se trata de uma instituição sagrada tanto para católicos como para evangélicos ou para ortodoxos. A Quaresma é cristã.
Sob o pretexto de que o país se rege por princípios laicos, parte considerável da sociedade brasileira vem negando nossa origem cristã. Enquanto valores cristãos são rejeitados como atraso, modismos infames são aplaudidos e aceitos.
Dizem que isso é progresso. Tá bom: me engana, que eu gosto!

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