Do padre Orivaldo Robles:
Seu amigo, Padre Karl Mayer, pároco de Palmital, italiano, apesar do nome, foi celebrar na Itália os 25 anos de sacerdócio. Pároco de Ivaiporã, a 120 km de distância, Aviz aceitou cobrir a sua ausência. Era final de ano. Uma sexta-feira, pelo meio-dia, João percorre os 70 km de asfalto. Inicia os 50 km de terra. Com a chuva da noite, o chão está escorregadio. Numa longa descida ele vê um fusca parado na pequena ponte de madeira. Estrada interrompida. Ao lado, dois rapazes. João detém a Brasília nova, da sua família, desce e vai oferecer ajuda. Os rapazes sacam armas pesadas e o rendem. Obrigam-no a erguer as mãos, tomam-lhe a chave da Brasília e o conduzem ao fusca, onde há um terceiro bandido. Logo chega o furgão blindado, que estavam esperando. Traz o dinheiro recolhido em bancos da região. Com a ponte bloqueada, os vigilantes tentam dar à ré. Os bandidos atiram nos pneus. Segue-se uma saraivada de disparos. Aviz protege-se como pode. Já sem munição, os bandidos mandam-no ir até aos guardas e forçá-los a abrir o blindado. Ou vai ou o matam.
Aos padres Julinho, Almeida e a este escriba, seus colegas de seminário, que fomos depois visitá-lo no hospital, em Ponta Grossa, relembrou: “Mãos na cabeça, caminhei para o furgão. Via a boca da escopeta calibre 12, de cano serrado, apontada para mim. Pensava: Vai doer muito? Vou morrer logo ou vai demorar?” Foi rápido. Um tiro só. Ele explicou: “Acho que já tinham gastado toda a carga grossa. Dispararam em mim com chumbo miúdo”.
Com o estampido veio o impacto que o atingiu por inteiro. Ele conta no livro: “Senti uma dor difusa, perdi o equilíbrio e fui ao chão. Não enxergava com o olho direito, sentia violenta queimação no corpo, causada pelo ar em contato com a pele furada de chumbos. Mas não perdi a consciência”. Permaneceu três horas na estrada de pouco movimento, sangrando como um animal e tomando chuva. Melhor: afastou o risco de febre. Não, porém, o medo de que policiais chamados pelo rádio dos vigilantes acabassem de matá-lo. Quando chegaram, ainda lúcido, gritou: “Pelo amor de Deus, sou padre, não bandido”.
É comovente ler o que lhe vai pela mente nessas três horas no chão, sangrando. Um admirável exemplo de entrega nas mãos de Deus. Grande homem o nosso Dom João. Pena que tenha ficado tão pouco entre nós. Ele teve o abdome perfurado como a tela de um chuveiro. Mas numa extensão maior. Na radiografia que nos mostrou contamos 130 orifícios. A maioria dos chumbos ele ainda tem no corpo. Aconselhamo-lo a levar sempre consigo a radiografia. Para não ser barrado num detector de metais.