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A nova Páscoa

Do padre Orivaldo Robles:
Quem passou a infância na roça, há mais de 60 anos, e sem referencial católico, como eu, lembra como era a semana santa. Coelho, chocolate, Páscoa, nem pensar. Ressurreição de Cristo, batismo, muito menos. Festa era o Natal, único dia do ano em que víamos guaraná. Furávamos a tampa da garrafinha e por ali a sugávamos para durar mais. Era também o dia da sobremesa, do manjar branco com calda de coco. Sem ameixa, que não chegava à venda da cidadezinha em que morávamos. Maravilha que só a mãe sabia fazer. Seu odor impregnava a casa inteira e seu paladar era único. Depois que a mãe, idosa e doente, parou de fazê-lo, não voltei a sentir aquele gosto em nenhum outro. Menos ainda nesses comprados, que já vêm prontos, em potinhos de plástico, com calda vermelha por cima. Servem para iludir as crianças, que jamais terão a chance de saborear a delícia antiga, que a mãe cozia no fogão de lenha.
Ah, sim, eu falava da Páscoa, festa máxima do calendário cristão, sobre a qual, na infância, não recebi informação. Nem eu nem os outros jacuzinhos, que moravam numa colônia de café. Ou em sítios da redondeza. Em religião, éramos todos xucros. Dela andávamos mais desguaritados que gato alongado na capoeira. Páscoa não nos dizia nada. Fui ouvir pela primeira vez essa palavra no seminário, onde entrei com quase 12 anos. O mais perto dela que chegávamos era a sexta-feira da Paixão.
Nesse dia era quase obrigação caminhar até ao “patrimônio” para assistir a Paixão de Cristo. No cinema ou em algum circo que por ali passasse. Por mais mambembe que fosse todo circo representava a Paixão de Cristo. Vinha gente de longe. É provável que nenhuma peça tenha sido mais encenada que a Paixão de Cristo. Quem, por alguma razão, não podia ir tinha o recurso do rádio. Era o tempo do radioteatro.
Hoje, os tempos são outros. Quase ninguém mais mora no sítio. Quem mora tem carro e energia elétrica. Vai aonde quer ou assiste pela TV. É difícil encontrar quem não tenha informações sobre semana santa e Páscoa.
Verdade é que as informações transmitem conteúdo nem sempre afinado com a mensagem cristã nem com os fatos que deram origem às celebrações do tríduo pascal.
A começar pelo coelho. Desde o maternal, as crianças voltam para casa como coelhinhos. Com orelhas de cartolina e rostinho pintado. Doidas pelo ovo de chocolate que o coelhinho da Páscoa traz. Lembram a deliciosa crônica de Luís Fernando Verissimo em que o menino conclui: “Eu acho que ao invés de coelho da Páscoa deveria ser galinha da Páscoa. (…) Todo mundo sabe que coelhos não botam ovos. E todos sabem que galinhas botam ovos”.
Faz alguns anos, foi inventado novo jeito de festejar a Páscoa. As agências de viagens começaram a divulgar um “feriadão da Páscoa”. Dos acontecimentos bíblicos celebrados com tanta veneração e respeito pela Igreja, sobrou só o nome. O conteúdo e o sentido foram para o espaço. Páscoa virou feriadão. As pessoas não veem a hora de fugir de casa para curtir uns dias de diversão que, na maioria, senão na totalidade dos casos, nada têm a ver com os acontecimentos religiosos celebrados.
É surpreendente descobrir que o Filho eterno de Deus se tornou humano, viveu no meio de nós, morreu e ressuscitou… para nos dar um feriadão.

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