Joca e os oportunistas de plantão

A desventura do cão Joca mostra a verdadeira face daqueles cujas intenções se resumem em tirar proveito da situação

O inseparável amigo canino se foi para sempre deixando em seu tutor sentimentos distintos, como a tristeza e o desconsolo pela partida precoce. Joca, um cão da raça Golden retriever de cinco anos não resistiu aos maus tratos, acondicionado em um compartimento de carga de uma aeronave qualquer. O evento foi classificado pela companhia aérea como “falha operacional”, fato esse plenamente evitável não fosse pela flagrante displicência e demasiada incompetência. Obviamente presume-se que o fato não tenha sido premeditado, tampouco havia a intenção do resultado desse lamentável incidente, mas a identificação da autoria e consequente responsabilização se faz necessária para, no mínimo, manter a credibilidade da empresa diante do imprevisto e garantir o devido ressarcimento pelos danos morais e materiais.

Na esteira da enxurrada de postagens nas redes sociais sobre o ocorrido, eis que surgem os oportunistas de plantão tentando surfar a onda da tragédia canina. Exalando incontida hipocrisia, alguns parlamentares federais, travestidos como defensores da causa animal resolvem elaborar projeto de lei visando regulamentar o transporte de animais por via aérea. Pois então só agora, quiçá motivados pelo interesse coletivo direcionado ao tema e antevendo a oportunidade em auferir dividendos políticos, os convenientemente consternados representantes do povo se movimentam para mostrar serviço perante seus eleitores. É evidente que isso não passa de oportunismo barato, bem ao tradicional estilo do político brasileiro, sentimento presente desde sempre no DNA dos homens públicos.

Os detentores de mandato legislativo desse País, salvo raríssimas exceções, pouco se preocupam em atender às atribuições precípuas do cargo que, grosso modo, seriam as de legislar e fiscalizar. Tampouco figuram no rol de prioridades de suas Excelências, iniciativas visando minimizar as dificuldades da população, como o interminável flagelo da seca no semiárido nordestino, ou o significativo número de pessoas vivendo nas ruas em condição de vulnerabilidade social, ou ainda o aumento da violência nos grandes centros urbanos. A mobilização parlamentar se concentra em conquistar e manter o poder, manipulando-o em benefício próprio. Esse comportamento peculiar não foi nem jamais será novidade para o contribuinte, instado a comparecer bovinamente às urnas com o intuito de “cumprir com seu dever cívico”.

A desventura do cão Joca mostra a verdadeira face daqueles cujas intenções se resumem em tirar proveito da situação. Ainda que o projeto de lei seja pertinente, eventualmente se mostre de utilidade pública e defina parâmetros para o transporte seguro de animais por via aérea, a iniciativa conduzida de forma açodada se mostra extemporânea. Habituados aos debates densos e acalorados, os ilustres parlamentares teriam tempo hábil para avaliar subsídios interessantes como a demanda atual por esse tipo de transporte, as condições de salubridade dos animais acondicionados, a especificidade da logística utilizada e principalmente a urgência do tema, entre outras variáveis. Muito provavelmente o resultado final seria algo realmente consistente e duradouro, porém sem alarde, holofotes ou microfones. Mas esperar isso dessa privilegiada casta seria mesmo uma simplória utopia.


(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista em Marialva/PR.