MP quer suspensão de acordo pelo qual UEM abriu mão de mais de R$ 2 milhões

Para Promotoria, este seria um dos casos de favorecimento a servidores da universidade

A Promotoria de Proteção do Patrimônio Público de Maringá se manifestou contra a homologação de acordo aprovado em agosto por resolução do Conselho de Administração da Universidade Estadual de Maringá. Pela decisão do CAD, a instituição, que movimentos paredistas, abriria mão de receber mais de R$ 2 milhões 66 mil. O MPPR havia se manifestado favoravelmente ao acordo de perdão de uma dívida, até receber informações que indicariam favorecimento da gestão do reitor Leandro Vanalli a alguns servidores.

O promotor Pedro Ivo Andrade pediu a suspensão dos autos de cumprimento de sentença por 6 meses, para que o Ministério Público Estadual possa investigar os possíveis privilégios indevidos concedidos a determinados servidores da UEM, em troca de favores políticos e que podem ter causado dano ao erário. O pedido foi feito ao juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública de Maringá. A questão envolve o agente universitário Eder Adão Rossato, que solicitou afastamento entre 1998 e 2002 para fazer doutorado em Barcelona, na Espanha; no entanto, Rossato não defendeu o doutorado naquele período, o que levou a universidade, em outra gestão, a ingressar com uma ação ordinária de ressarcimento ao erário por descumprimento de cláusula contratual. A ação foi julgada e o servidor condenado a restituir à UEM R$ 460.087,39, acrescidos de correção monetária e juros de mora, além da condenação ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios.

A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná negou provimento ao recurso do servidor. O trânsito em julgado ocorreu em 16 de fevereiro deste ano, quando a universidade requereu o cumprimento da sentença e depois peticionou nos autos comunicando acordo com Eder Adão Rossato, irmão do atual procurador jurídico da Universidade Estadual de Maringá, Geovanio Edervaldo Rossato, professor associado do Departamento de Ciências Sociais.

O MP, que no início havia manifestado não ser necessária sua participação no feito, recebeu denúncia anônima dando conta de possíveis privilégios concedidos a determinados servidores públicos da UEM por parte da reitoria, em troca de favores e apoio político. Instaurou-se notícia de fato e foram realizadas as diligências preliminares, e, posteriormente, instalado um inquérito civil.

O processo que tramita na 1ª Vara da Fazenda Pública inclui parte da denúncia de privilégios da administração Leandro Vanalli. A respeito do servidor, informa que Rossato começou o doutorado em Barcelona em 1999 e nunca defendeu a tese. “Saiu de licença com tudo pago com o dinheiro do contribuinte paranaense. Quando ele voltou, feito feito (sic) sindicância e processo administrativo e mesmo sendo julgado ele nunca pagou o que deve para o Estado. Em 2006 o CAD da UEM reconheceu que ele era inadimplente e de lá para cá o dito servidor assumiu a frente do Sinteemar [Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino de Maringá] e ficou imune a qualquer sanção, sem poder ser penalizado”, diz a denúncia, que acrescenta: “No mesmo sindicato o servidor José Maria Marques também foi presidente e ficou alternando cargos com o Eder. Ambos auxiliaram na campanha para a reitoria do professor Leandro e da professora Gisele e foi dado (sic) a eles como recompensa os cargos de pró-reitor de Recursos Humanos e diretor de Recursos Humanos”.

Depois de citar o parentesco do procurador jurídico com o inadimplente, o (a) denunciante diz que a gestão da UEM “sabe de tudo isso, e o reitor faz de conta que não sabe, fica com discurso religioso e de bom moço, mas sabe que está errado. (…) Pior [Rossato] defendeu em 2 anos uma tese. Pra quê? Para agora a reitoria abrir um processo no CAD e perdoar a dívida. É uma vergonha. Enganou os cofres públicos e agora, com o jeitinho da universidade, e com o reitor sabendo de tudo, ele vai ser perdoado (…)”. Com a denúncia em mãos, o Ministério Público solicitou informações da instituição e, no último ofício, pediu informações sobre o ressarcimento dos R$ 2.066.607,23 e, na resposta, a administração da UEM disse que a ação de ressarcimento se encontrava em fase de execução de sentença.

O MP constatou porém, ao consultar os autos, que a UEM deu início ao cumprimento da sentença mas posteriormente à informação enviada à Promotoria, em 6 de setembro, peticionando nos autos a celebração de acordo com o executado. A formalização do acordo não foi comunicada ao MP, que constatou, ao analisar seu teor, que “a UEM concordou em abrir mão da restituição, ao erário da IEES [instituição estadual de ensino superior], do valor de 2 milhões 66 mil 607 reais e 23 centavos, em razão supostamente não ter condições financeiras para realizar o pagamento, bem como pelo fato dele ter realizado, posteriormente, às próprias expensas, o curso de doutorado. Ora, o referido acordo, que será submetido à homologação de Vossa Excelência, antes dessa providência requer cuidadosa análise e apuração de eventual prejuízo para os cofres públicos”.

Para o promotor, é inadmissível que uma instituição pública de ensino tenha concordado em abrir mão da restituição de um dano de vultosa monta, suportado pela instituição há mais de 20 anos. O dano se prolongou ao longo de mais de duas décadas “vez que não ficou limitado ao fato de o servidor ter recebido normalmente seus vencimentos durante o período em que ficou afastado de suas funções para a realização do curso de doutorado (o que não fez), mas também pelo fato de a instituição ter sido privada de um trabalho especializado (em nível de doutorado), que poderia ter sido realizado ao longo de todos esses anos, objetivo primordial, inclusive, de se proporcionar aos servidores essa benesse”. O promotor Pedro Ivo Andrade ressalta que a denúncia recebida pelo MP antecipou o benefício dado ao executado, que teria, como teve, sua dívida perdoada, além do fato de que o irmão do executado é procurador jurídico da UEM, “exercendo, portanto, inegável e questionável influência na tramitação dos presentes autos e na formalização do referido acordo”.

O perdão dado pela universidade na atual gestão precisa ser m ais bem apurada, de acordo com o MP, o que será feito no âmbito do inquérito civil público. Lembra o pedido que o princípio que atende ao interesse público é justamente o contrário, “ou seja, a devolução da vultosa quantia indevidamente recebida pelo servidor”.

Nota de esclarecimento – Questionada a respeito do perdão da dívida milionária, a Assessoria de Comunicação Social da UEM emitiu a seguinte nota de esclarecimento: “O servidor agente universitário da UEM Eder Adão Rossato realizou o seu curso de doutorado em História entre os anos de 2020 e 2023, tendo assim cumprido a finalidade do seu afastamento, que havia sido solicitado à instituição entre os anos de 1998 e 2002, porém sem o término do curso. Levado o caso ao conhecimento do Conselho de Administração da UEM em junho deste ano, considerou-se que a realização posterior do Doutorado pelo servidor cumpriu os objetivos do seu afastamento inicial, tendo assim sido celebrado acordo chancelado pelo Conselho de Administração (CAD) com o propósito de isentá-lo do pagamento dos salários devidos à época, mas com a condição de que o mesmo permaneça vinculado à Instituição pelos próximos 4 anos, sem possibilidade de aposentadoria, exoneração ou qualquer outro afastamento. No referido acordo, ressalta-se que não houve qualquer participação da Procuradoria Jurídica. Idênticos acordos foram também celebrados pelo CAD da UEM em anos anteriores com vistas a suprir o afastamento para pós-graduação de outros professores e técnicos, desde que os mesmos tenham concluído o seu curso a contento, perdendo-se, assim, o objeto do litígio administrativo. Como os demais, o referido acordo foi regularmente apresentado à Justiça por determinação do Conselho de Administração para fins de homologação”.

No último dia 26, a portaria n° 966/2023-GRE, assinada pelo reitor Leandro Vanalli, nomeou a própria vice-reitora, Gisele Mendes de Carvalho, como procuradora ad hoc para acompanhar e atuar, exclusivamente, nos autos de inquérito civil n° 0088.23.002807-3, perante a 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Maringá e nos autos autos n° 0026289-78.2012.8.16.0017 de cumprimento de sentença, perante a 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Maringá.

A portaria, em seu artigo 2º também autoriza a vice-reitora a indicar para nomeação um procurador auxiliar “para que preste assistência jurídica subordinando-se direta e exclusivamente à mesma”, podendo a procuradora ad hoc nomeada “a requerer apoio administrativo à Secretaria da Procuradoria Jurídica”.

O reitor Leandro Vanalli também tem se destacado por sua atuação política, depois de ter participado de evento promovido pelo Progressistas; dias depois, sua mulher, professora licenciada de Umuarama, foi nomeada em cargo comissionado na Casa Civil e colocada à disposição do Núcleo Regional de Educação; até então, nenhuma esposa de reitor havia ocupado cargo de confiança no governo estadual. “A UEM não é hoje, infelizmente, uma instituição com a imagem que carregou ao longo de vários anos. Resume-se na verdade numa confraria ou, quando muito, num mau exemplo de como a política pode ser utilizada numa instituição pública de ensino superior”.

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