Crônica

É vergonha pedir comida?

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoEnquanto a mãe vivia, todos os domingos eu almoçava com ela e os de casa. Depois que morreu, mantenho o costume. Para preservar o que sobrou da família. Dos sete que mudamos para cá em 1957, sobramos quatro. Por quanto tempo ainda?
Domingo passado, como sempre, minha irmã acompanhou-me até ao portão. Dois homens de média idade, maltrapilhos e barbudos, pediram comida. Não eram daqui, mas de Cianorte, disseram. Acrescentaram: “É melhor pedir que roubar”. Enquanto minha irmã voltava para lhes preparar o que tínhamos na mesa, dirigi-me a eles: “Não é vergonha pedir um prato de comida”. Agradeceram efusivamente. Notei que ficaram surpresos. Talvez ninguém lhes fale de modo amistoso.
Anda muito confuso este nosso velho mundo. No passado, todos sentiam gosto em dar comida a um pobre. Mesmo que nunca tivessem ouvido o nome de Jesus, intuitivamente percebiam a correção daquele “Quem vos der de beber um copo d’água porque sois de Cristo, não ficará sem recompensa” (Mc 9,41). Ou daquele “Todas as vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40).Continue lendo ›

Retiro espiritual

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoSemana passada, fizemos nosso retiro espiritual. Todo ano, reservamos quatro dias para refletir sobre nossa vida de ministros de Deus. Ministro é quem serve. O padre serve a Deus prestando serviço aos irmãos.
Ninguém vira padre da noite para o dia. Passamos tempo mais ou menos longo de preparação. Antigamente começava no seminário menor, para o qual entrávamos aos dez, doze anos. Entre nós, poucos são desse tempo. Apenas os padres Banki, Telles, Almeida, Julinho e este escriba. Dom Anuar costuma chamar-nos de anciãos. Depois do Concílio Vaticano 2º (1962-1965), os candidatos começam pelos cursos superiores de Filosofia e Teologia (oito anos). Os anciãos, que fizemos seminário menor, tivemos uma preparação mais longa. Foram não oito, mas catorze anos.
Retiro espiritual é uma antiga prática espiritual da Igreja. É a busca de maior intimidade com Deus. A gente se retira da vida de todos os dias para, no silêncio e na oração, examinar a resposta que estamos dando ao que Deus espera de nós. O retiro é orientado por um pregador, que propõe aos retirantes o tema da reflexão pessoal.Continue lendo ›

Eleitor, pense bem

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoSe bem me lembro, neste espaço, falei já de Benedito Valadares, folclórica raposa mineira para quem política é como nuvem: você olha, é uma coisa; olha de novo, já é outra bem diferente. Ontem como hoje, veem-se aos abraços desafetos políticos que, há não muito tempo, se ameaçavam de morte. Não é reconciliação cristã, não; apenas acomodação de interesses.
Noutros países não sei, mas no Brasil política é a habilidade de abandonar o barco ao primeiro sinal de naufrágio. E de rumar bem depressa para outro mais seguro. Gente do mar conhece isso como procedimento de ratos. Sem risco de erro, pode-se garantir que a maioria dos nossos políticos tem em mente apenas a conquista do poder. “Mas não é o objetivo da política?”, perguntarão. Sim, mas para quê? Os nossos, em sua maioria, querem o poder para se ajeitar na vida. “Bem comum”, para eles, é pura balela.Continue lendo ›

Estes também votam

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoEra minha intenção expor ideias que me ocorrem especialmente no período eleitoral. Coisas assim:
1. Coragem ou cara-de-pau de uns que pleiteiam cargos eletivos. Ou confiam demais no próprio taco, ou dispõem de muito dinheiro para jogar fora, ou, quem sabe, padecem de orgulho patológico, que os leva a se acharem o último biscoito do pacote. A menos que pratiquem artimanhas desconhecidas de cidadãos ingênuos, como eu.
2. Trinta e dois partidos políticos. Vai saber se não chegarão a 38, 42 ou 50? Será que espelham mesmo 32 distintas propostas de condução do país? Ou meros artifícios para fatiar o bolo do poder? E a “genialidade” de 39 ministérios? Lúcio Costa projetou a Esplanada com 17 prédios, mais do que suficientes.
3. Político profissional. É a carreira mais cobiçada, ao lado de futebolista de sucesso ou banqueiro. Por que todos querem agarrar-se ao poder até à morte? Por que fazem de tudo para colocar os parentes na mesma “profissão”? Em todos os Estados do Brasil existem cônjuges, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, até cunhados no caminho do coronel da família. Dizem que o poder é afrodisíaco. Deve ser.
Pensava trazer ao leitor uma reflexão nessa linha. Mas tive a atenção desviada para algo mais banal. E deprimente. Que acontece bem diante do nosso nariz.Continue lendo ›

Quando vale a pena imitar

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoNa última edição do “Bem, amigos” perguntaram a Levir Culpi a diferença entre ser técnico de futebol no Japão, onde trabalhou muitos anos, e no Brasil. Embora atento ao horário do programa, ele disse que as três primeiras palavras japonesas que ouviu num vestiário foram: “com licença”, “desculpe” e “obrigado”. No Brasil, o que se ouve, em vestiário ou fora dele, são três palavrões cabeludos, que ele falou, mas não tenho coragem de reproduzir. É a diferença entre povo que valoriza a educação e povo para o qual educação não passa de tolice ou frescura.
No interior paulista, quando criança, vi poucos japoneses, nisseis ou sanseis. Aqui, conheci pessoas de olhos puxados, cabelo liso, voz mansa e sorriso doce. Em geral, educadas.Continue lendo ›

Racismo faz mal

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoO racismo pode fazer um mal maior ao seu autor do que à sua vítima. Aquela torcedora do Grêmio de Porto Alegre teve a infelicidade de ser filmada enquanto gritava “macaco” para Aranha, goleiro do Santos, na partida entre as duas equipes, quinta-feira passada. Ela estava no meio de um grupo atrás da meta defendida pelo santista, que, visivelmente irritado com as injúrias recebidas, foi reclamar ao árbitro interrompendo a partida aos 42 minutos do segundo tempo. A imagem espalhou-se pelo Brasil inteiro, talvez pelo mundo. Não há como desmentir nem defender uma interpretação diferente. Até um cego de olhos vendados é capaz de entender aqueles três movimentos labiais destacados e inconfundíveis. A moça não só ofendeu a vítima, mas o fez aos gritos, no volume mais alto que podia.
Ela é um dos dois sócios reconhecidos e afastados do quadro social do clube dos pampas. Perdeu o emprego na empresa terceirizada, que prestava serviço à Brigada Militar da Polícia Militar Gaúcha. Teve a casa atingida por pedras atiradas por gremistas receosos da punição que o clube poderia vir, como realmente veio, a sofrer. São consequências dolorosas de uma atitude infeliz, que tem chance de ainda provocar mais dissabores.Continue lendo ›

Melhor idade?

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoEnsina a filosofia do irmão da estrada que na escola da vida não há férias. Desde que nascemos entramos em processo de permanente aprendizado. Seguimos aprendendo até ao dia da nossa morte. Morrer é, na verdade, a última lição do curso. Quando ela chega, deveríamos sabê-la direitinho. Afinal, tivemos toda a vida para estudá-la. Não é, infelizmente, o que acontece. A maioria nem quer ouvir sobre ela. Se há uma lição a cuja aula a gente faz questão de faltar é essa.
Dom Murilo Krieger tinha o costume de dizer: “Morro e não vejo tudo”. Queria deixar claro que podemos ter uma experiência, antes não pensada, que supúnhamos impossível. Porque, queiramos ou não, a vida ensina. Quanto mais tempo a gente acumula na sacola, tanto mais vai também ajuntando conhecimentos. Por isso, aos velhos costuma-se atribuir maior sabedoria que aos jovens. Se bem que, em nossos dias, as pessoas não se mostrem interessadas em sabedoria. Muito mais parece se interessarem por dinheiro, beleza e juventude.
Diógenes (412 a. C. – 323 a. C.) de Sinope, da Grécia (não Sinop, do Mato Grosso), filósofo, exilado de sua cidade, instalou-se em Atenas. Foi viver num tonel ou barrica, a cuja frente ergueu uma placa com o anúncio: “Vende-se sabedoria”. Coitado, estivesse hoje no Brasil, iria morrer de fome, com certeza.
Vivemos a era das aparências que fascinam. Dos brilhos sedutores que dão a impressão momentânea de oferecer uma felicidade que nunca terá fim. Entretanto, como a vida é cambiante, cheia de surpresas e novidades, em pouco tempo, já pensamos em mudar de novo. Parece difícil admitir que algo seja definitivo. Queremos que tudo seja substituível, descartável. Até as pessoas. Talvez nunca, como hoje, os casais tenham trocado tanto de companheiro (a).
Não é possível entender como regra absoluta, mas parece que, quando a mulher procura outro, está interessada num mais rico; o homem, numa mais bonita. Dinheiro e bela aparência foram elevados à categoria de valores imprescindíveis. Ainda assim, menos apreciados que juventude, esta, sim, objeto do desejo de dez entre dez pessoas consideradas normais. A fase que atravessamos é bastante curiosa. Nunca as pessoas desfrutaram, como agora, de vida tão longa. Ao mesmo tempo, nunca apreciaram tanto a aparência de jovem sarado (a). Ser (ou somente parecer) jovem tornou-se um ideal a conquistar, qualquer que seja o custo. Chegamos a esta incoerência: ninguém quer morrer jovem, mas também não quer ficar velho.
De todos os mal-estares da vida seguramente nenhum é pior que a velhice. Para a maioria das pessoas, nela reside a desgraça maior. E não há como evitá-la. Ela vem de braço dado com um bando de más companhias, as temidas doenças. Por mais que se disfarce ou dela se evite falar, a velhice vai inevitavelmente instalando-se no corpo da gente. Não há força capaz de impedir.
Dos idosos espera-se sabedoria, não é? Melhor, então, deixarmos de fingimento e piedosas mentiras. Qual o sentido de expressões como “melhor idade” ou tolice semelhante? Melhor para quem? Para os laboratórios produtores dos remédios de uso contínuo, que precisamos tomar? Nenhum idoso inventou essa bobagem, tenho certeza.
Vamos aceitar, com serenidade e gratidão, que a velhice nos alcance. Mas não permitamos que se instale em nosso espírito. No corpo já está de bom tamanho.

Lei para regular o óbvio

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoNão tenho culpa de ter nascido em outro tempo. Nem de, por isso, carregar lembranças que vêm de longe. Hoje a meninada recebe, a cada momento, um bombardeio de informações novas, que nem consegue processar. Tudo é engolido num jato, sem reflexão. Pergunte a um garoto: “Que lhe aconteceu ontem?” “Nada”, ele dirá. Teve tantas vivências que não conseguiu deter-se em nenhuma.
Não sei quanto às crianças de hoje; para os que fomos meninos outrora, as experiências eram marcantes. Poucas, nascidas de fatos comuns, mas vividas com intensidade. Formaram um bloco de recordações que se tornaram parte do nosso ser. Marcaram-nos para o resto da vida.
Lembro o ano de 1952. Na volta da escola, esperando o ônibus no Bar do Donda, no rádio da parede eu escutava o Repórter Esso, “testemunha ocular da História”. Continue lendo ›

Nosso Dom João

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoDom João Braz de Aviz, terceiro arcebispo de Maringá, enviou-me da Itália, por meio de Dom Anuar, o seu livro “Das periferias do mundo para o Vaticano”. Tem como subtítulo “Minha história rumo à Igreja de amanhã”. Acaba de sair do forno, em italiano. Será traduzido para o português, na forma de entrevista conduzida por Michele Zanzuccchi, diretor da revista “Città Nuova”. Aviz, hoje cardeal, vive no Vaticano, onde é prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e para as Sociedades de Vida Apostólica. Não há como falar dele sem lembrar o tiro que levou em 1981. Foi a primeira coisa que procurei no livro. Está no capítulo intitulado “Estou vivo por milagre”. Não há como discordar.Continue lendo ›

Canção para meu pai

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoEsclareço que não sou compositor. Para isso não tenho talento. Se tivesse, eu lhe escreveria a mais caprichada canção. Sempre que aparece oportunidade, comento sobre quanto nos marcou a figura do homem franzino e calmo – calmo demais para um espanhol – a quem chamávamos pai. Para as pessoas de fora sou o filho que mais fala sobre ele. O amor e o respeito, no entanto, que merece um verdadeiro pai, os cinco nunca deixamos de consagrar ao nosso velho. A rigor, nem tão velho: morreu mais jovem do que eu sou hoje.
Não me preocupa nem um pouco que percebam como sou sensível. Ou “manteiga derretida”, conforme o povo diz. De vez em quando, sinto vontade de escutar “Mi viejo”, composição de Piero y José. Em português existe como “Meu velho”, versão de Nazareno de Brito, conhecida na interpretação de Altemar Dutra. Prefiro a original, aquela que no 3° Festival da Canção de Buenos Aires, em 1969, apresentou um Piero ainda seminarista, de batina e colarinho romano. Dependendo da hora, quando a ouço, me acaba vindo aos olhos alguma lágrima intrusa, que não dei conta de segurar.Continue lendo ›

Os descartáveis

padreorivaldo Sábado passado, depois de noticiar que na Faixa de Gaza o conflito entre palestinos e israelenses tinha produzido 1000 mortos em dezenove dias, o âncora de um noticiário de TV comentou: “O mundo inteiro sente-se horrorizado com tanta violência. Enquanto isso, no Brasil, 3000 pessoas são assassinadas mensalmente e ninguém fala nada. O Brasil produz três Faixas de Gaza por mês e achamos uma coisa normal”. Dita dessa forma, a afirmação nos golpeia com a brutalidade de um soco na cara. Contudo, o quadro é mais assustador.
O Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, registrou em 2012 (último dado disponível) 56.337 assassinatos no país, cifra jamais atingida anteriormente. Quer dizer: 4690 pessoas morrem, todo mês, de morte “matada”. Essas, as conhecidas. Mas longe dos grandes centros as informações são deficientes. Terá havido comunicação de todas? Digo o registro, não esclarecimento ou solução. Nossa realidade possivelmente seja bem pior do que a descrita.Continue lendo ›

O novo e o velho

Do padre Orivaldo Robles: padreorivaldoCom exceção da terça-feira, todos os dias salto da cama às 5h45. Às 6h00, dou uma olhada rápida nas notícias da Internet. Depois saio para a Catedral onde procuro, na oração da manhã, juntar fé e vida. Vez por outra surge um informe interessante, embora incapaz de mudar o rumo do nosso mundo sem juízo. Como a nota, outro dia, da volta à fabricação, nos Estados Unidos, do LP (long playing record), que a meninada nem sabe o que é. Sobrevive entre nós quem prefira os antigos “bolachões” tocados na radiola, pickup, radiovitrola, toca-discos ou, simplesmente, vitrola. Diz que o som é mais fiel que o do CD, DVD, Mp3 ou de outras invenções que desisti de acompanhar. E eu que julgava um transtorno acomodar meus 700 LP perfeitos, sem arranhão nenhum! Tive o bom senso de não me desfazer também do pickup Polyvox, da potência Akai e das caixas Celebration. Podem considerar-me o zelador de algum museu, não ligo. Importante é que funcionam que dá gosto. Gostei de ler (DNP, 13/07/2014, Cultura, pág. D1) que Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, de 1967, é o primeiro dos 200 álbuns do Rock and Roll Hall of Fame. Tenho esse CD.Continue lendo ›

Deu a lógica

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoPeço a paciência de me permitirem, ainda uma vez, tocar no assunto. Perder uma Copa do Mundo é aceitável. Inaceitável foi a postura dos nossos atletas nas duas partidas finais. Não é a primeira vez que disputamos um 3° lugar. Em 1938 eu não era nascido. Em 1974 eu assisti e, pelo que o Brasil apresentou, o 0x1 contra a Polônia (gol de Lato) ficou de bom tamanho. Nesta Copa de 2014 apontavam-se como possíveis campeões Espanha, Alemanha, Holanda, Argentina e Brasil. Alguns arriscavam ainda França, Itália, Uruguai e Portugal. Analisando friamente, deu a lógica.
O que nos fará passar vergonha por cem anos é o modo como tudo aconteceu. A conquista da Copa das Confederações, ano passado, deve ter convencido nossos dirigentes de que a Copa do Mundo estava no papo. Não perderam a pose nem quando conseguimos passar da primeira fase com as calças na mão. Ainda bem que era possível empatar, senão o México… não sei, não. Contra o Chile tivemos sorte, nada mais.Continue lendo ›

Um dia para esquecer

padreorivaldoDo padre Orivaldo Robles:
A derrota por 7×1 para a Alemanha, terça-feira passada, a mais humilhante de uma semifinal de Copa do Mundo, fez lembrar episódio que, lá na minha infância, ouvi de Padre Edwin Smeets. De 6 de março de 1953 a 27 de dezembro de 1957, estudei no seminário de São José do Rio Preto (SP), dirigido por padres holandeses. Nesse período houve a Copa de 1954, da fatídica “batalha de Berna”, Suíça, em que sofremos aqueles 4×2 a nós impostos pela Hungria de Grosics, Czibor, Kocsis, Bozsik e, acima de todos, de Puskas, lenda do futebol mundial.
Em 1950, ano do “maracanazo”, o Brasil já dispunha de apreciável valor futebolístico. Prova-o a construção do Maracanã, então o maior estádio do mundo. Estados Unidos, Canadá, Caribe e América Central não tinham futebol de expressão, mas Europa, América do Sul e México recebiam times brasileiros, que por lá excursionavam colhendo excelentes resultados.Continue lendo ›

Um padre na balada

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoFazia 73 anos que eu não entrava numa casa noturna. Dessas que organizam noitadas tão do gosto da nossa moçada baladeira. Pelo menos não entrava numa em funcionamento: gente elegante às pampas, som nas alturas, conversa aos gritos, bebida à escolha e à vontade, salgadinhos de fino gosto, essas coisas. Eu tinha estado numa, sim, faz tempo, mas de dia, junto com o proprietário, que lá me levou para dar uma bênção às instalações. Evidentemente, estava vazia àquela hora. Nem sei se ainda está em atividade. Estabelecimentos dessa natureza abrem e fecham com rapidez surpreendente.
A casa a que me dirigi, segundo fui informado, vem bombando na noite maringaense. Nunca tive curiosidade de saber o que fazem ou como se comportam as pessoas lá dentro. Quando comentei que, à noite, estaria lá, um jovem amigo pôs-se a troçar de mim: “O que, hein! Como as coisas mudam. Padre agora frequenta balada, é?”. Não exatamente. O que houve é que o diretor comercial do DNP pediu-me que lá comparecesse na noite do último dia 25 de junho para fazer uma oração de ação de graças e dar a bênção pelos 40 anos de existência do jornal. Só isso.Continue lendo ›

Dois goleiros de outro mundo

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoEm tempo de futebol, permitam-me falar dele. Admira como na minha infância pobre e desprovida de meios, ele tenha significado tanto. Vivendo em lugares perdidos deste mundo, sem poder vestir, como as crianças de hoje ainda no colo dos pais, uma dessas belas camisas de times, sem campo, sem técnico, sem escolinha, sem nada, o futebol marcou profundamente a infância minha e de meu irmão Eraldo. Assim como marcou a infância de muitos moleques pobres e ignorantes, como nós, de qualquer outro esporte. Para nós a chance de algum esporte chegava até ao futebol e morria aí.
A nós dois coube a sorte de assistir ao nascimento do primeiro time de futebol de Jales. Pelo menos, primeiro com um mínimo de organização: com diretoria, plantel, uniforme, cores próprias, escudo e até hino. Foi fundado pelo professor Paulo, nosso diretor do grupo escolar, única escola da cidade. Naquele fim de mundo, os professores vinham todos de fora, alguns até de cidades grandes. O querido professor Oscar Aidar, do meu 2° ano, centroavante e ídolo, por exemplo, viera de Sorocaba. Assim nasceu a Associação Atlética Jalesense. Com esse nome não existe mais. Como tantos clubes de outras cidades, foi substituída por novas agremiações de nomes parecidos. Mas do time original, aquele do começo, de atletas que a gente conhecia e com quem podia conversar, desse posso dizer: “Meninos, eu vi”.Continue lendo ›

Desprendimento

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoFoi no tempo em que as moedas tinham grande valor. Muito maior que o dessas de agora. Alguém se lembra daquela de mil réis, que, na nossa infância, dava para comprar vinte balas toffee de leite condensado? Não balinhas mirradinhas, não; eram balas mastigáveis, grossas, bastas. Chegavam a dar dor nas mandíbulas de tanto que demoravam a acabar. Não vi nenhuma dessas moedas ainda dourada e brilhante, como deviam todas ter saído, com certeza, da Casa da Moeda, onde eram cunhadas. Mas logo eram encaminhadas para o comércio, seu destino. Passavam de mão em mão. Não é à toa que a gente considera o dinheiro uma coisa suja. As poucas moedas de mil réis nas quais conseguimos pôr as mãos traziam a data de fabricação, sempre um ano passado havia muito. Carregavam as marcas do seu longo tempo de uso. Eram encardidas de um jeito que nem um litro de Kaol conseguiria limpá-las. Mas eram as nossas moedas mais valiosas. Crianças dificilmente ganhavam uma.Continue lendo ›

Copa do mundo ou da Fifa?

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoNão posso dizer que lembro como se fosse hoje, mas lembro: Seminário São José, Curitiba, 29 de junho de 1958. Voltamos da missa de São Pedro e São Paulo, na Catedral, e corremos para o rádio colocado no pátio. Não havia televisão. O jogo era a final da Copa do Mundo, Brasil x Suécia, anfitriã da Copa. Já tinha começado e perdíamos por 1×0. Depois Vavá empatou e acabamos ganhando por 5×2, mesmo placar da vitória sobre a França, cinco dias antes. Trabalho mesmo tinham dado Inglaterra (0x0) e País de Gales (1×0). O rei Gustav desceu da tribuna para a entrega da taça. Cumprimentou todos os jogadores. Um, em especial, tinha-o impressionado: Pelé, menino de 17 anos. Por causa de suas diabruras em campo um jornal de Curitiba, em charge na página de esportes, mostrou-o como “o saci pelelé”.
Nesse dia o futebol do Brasil nasceu para o mundo. Apagou o desastre do “Maracanazo” de 1950. Desse eu não me lembro. Era pequeno demais e morávamos num sertão aonde quase não chegavam notícias do mundo. As figurinhas do álbum que formei eram do campeonato paulista, não da seleção. Da copa de 1954, disputada na Suíça, conservo alguma lembrança. Pelo menos da nossa derrota por 4×2 para a Hungria de Puskas, então o melhor jogador do mundo. Foi uma partida violenta, apitada pelo inglês Arthur Ellis. Para nossa crônica esportiva, um larápio que nos afanou descaradamente. Durante muito tempo, apelidar alguém de “Mr. Ellis” era chamá-lo de ladrão.Continue lendo ›

As palmadas da lei

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoNão lembro se já contei este episódio. Recordo bem coisas do passado, mas ando esquecendo as recentes. Tenho medo do alemão que ronda gente da minha idade. O tal do Alzheimer, que acompanhou o padre João de Castro Engler nos seus últimos dias. Teólogo insigne, professor no Studium Theologicum, de Curitiba, afiliado à Universidade Lateranense de Roma, Engler morava no seminário anexo ao Studium. No final da vida recolheu-se ao seu quarto em companhia dos seus queridos livros. Vejam só o que o Alzheimer aprontou para ele. De vez em quando, padre Engler punha-se a vagar, inteiramente nu, pelos corredores do enorme prédio. Algum seminarista o encontrava, cobria-o como podia e o levava de volta para o quarto. Não é muita humilhação para quem dedicou uma vida inteira à formação dos novos padres em São Paulo e no Paraná?
Está certo que hoje existem recursos médicos mais avançados que na sua época. Nem tenho a pretensão de chegar aos pés da sumidade que ele foi. Se, porém, me acontecer de chegar a esse ponto, por favor, me segurem em casa. Não me deixem sair à rua.Continue lendo ›

As dores de cada um

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoDom Jaime gostava de citar o versículo 10 do salmo 90: “Os anos de nossa vida são setenta; para os mais robustos, oitenta: assim mesmo cheios, em sua maior parte, de fadiga e aborrecimento”. Acho que para mostrar que era um caso raro. Não completou um século, como pretendia, mas chegou perto. Morreu aos 97 anos. Poucos atingem essa marca.
Em nossos dias as pessoas vivem mais que no passado. Todos os países apresentam crescimento na expectativa de vida do seu povo. Quando era jovem, eu fazia as contas: no ano 2000, na virada do século, estarei com 59 anos. Parecia uma coisa longínqua, que nunca ia chegar. Hoje, meus 59 anos continuam distantes. Só que lá atrás. Nunca mais voltarão.
Com pesar percebo que minha disposição física não é a mesma. Mudou muito. Para pior, infelizmente. Já comentei a opinião de um amigo meu, homem simples, mas de grande sabedoria. Certa ocasião, ele me disse: “Olhe, padre, nós estamos naquela idade em que as pessoas não perguntam ‘Como vai’, mas ‘Onde dói’”. Verdade. No passado, com frequência, eu aceitava convite de amigos para pescar. Não sou grande pescador; mas é o hobby que mais me atrai. Uma distração que me reanimava para o trabalho. Fazia anos que eu não pescava mais. Outro dia, um amigo querido teve a bondade de me levar ao velho Paranazão. Levei um susto. Não pensei que eu tivesse envelhecido tanto. Continue lendo ›

A mãe do padre

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoNo anedotário esportivo todo árbitro de futebol tem duas mães: a que fica em casa e a que entra com ele em campo. Ele nem botou ainda o pé no gramado, basta apontar no túnel com a bola na mão e já as duas torcidas homenageiam sua genitora. Ninguém dá a mínima para seu nome ou currículo, se ele é principiante ou faz parte do quadro da FIFA. Mas sobre sua mãe todos têm opinião formada.
Felizmente, não é meu caso nem o dos colegas. O povo ignora se padre tem mãe. Nem dela faz a mínima ideia. Cá entre nós, se é para lembrá-la como a do juiz de futebol, melhor mesmo que a esqueça. Pode parecer estranho, mas há pessoas que levam um susto quando descobrem que padre também nasce de uma mulher igual às outras.
Dizem que mães são todas iguais, só muda o endereço. Não sei se vale para mães de padres. Elas parecem diferentes. Continue lendo ›

Maringá, mãe ou madrasta?

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoOs pioneiros desta cidade agregaram ao nome Maringá os qualificativos “novo” e “velho”. O novo desapareceu pouco depois; o velho continua até hoje para designar o bairro onde a cidade começou. Os que chegaram naqueles sofridos tempos eram homens rudes, de mãos calejadas e rosto queimado de sol. A maioria era competente em derrubar mato, queimar coivara e plantar café. Da língua pátria pouco tinha conhecimento. Não sabia que nome de cidade leva adjetivo do gênero feminino. Como fez, na construção “nossa amada Maringá”, o poeta e professor Ary de Lima, a quem me coube a honra de ter como colega no querido Colégio Gastão Vidigal. Com razão até maior do que outras, Maringá é feminina. Pois não se chamava Maria do Ingá, na canção que a batizou, a retirante nordestina e imaginária musa de Joubert de Carvalho? Todos os que por aqui passam dedicam-lhe elogios feitos com adjetivos ou pronomes femininos. Sempre escutamos: “Maringá é linda. Deve ser muito bom viver nela”.Continue lendo ›

Uma para cada dois

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoFato bastante curioso, entre os muitos da minha longa atividade pastoral, foi a celebração das bodas de ouro (50 anos) de união de um casal amigo. Alguns dirão: “Grande coisa; qualquer padre faz isso”. Calma; não terminei. Dez anos depois, os filhos pediram a missa em ação de graças, desta vez, pelos 60 anos de matrimônio dos pais. Ainda não contei tudo. Outros dez anos passados e me pediram a celebração dos 70 anos da mesma união. Desse tipo foi o único caso que me aconteceu. E não haverá outro.
Quem esteve naquele 70° aniversário de casamento não esquecerá o que presenciou. A esposa sofria do mal de Alzheimer. Com mais de 90 anos de idade, o marido a tratava com uma ternura comovente. Ele quis ler em público uma oração que tinha preparado para a ocasião.
Agradeceu a Deus pelos filhos numerosos, todos vivos, honrados e motivo de orgulho para os pais. Depois, rendeu graças pela companheira de tantos anos. Continue lendo ›

A nova Páscoa

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoQuem passou a infância na roça, há mais de 60 anos, e sem referencial católico, como eu, lembra como era a semana santa. Coelho, chocolate, Páscoa, nem pensar. Ressurreição de Cristo, batismo, muito menos. Festa era o Natal, único dia do ano em que víamos guaraná. Furávamos a tampa da garrafinha e por ali a sugávamos para durar mais. Era também o dia da sobremesa, do manjar branco com calda de coco. Sem ameixa, que não chegava à venda da cidadezinha em que morávamos. Maravilha que só a mãe sabia fazer. Seu odor impregnava a casa inteira e seu paladar era único. Depois que a mãe, idosa e doente, parou de fazê-lo, não voltei a sentir aquele gosto em nenhum outro. Menos ainda nesses comprados, que já vêm prontos, em potinhos de plástico, com calda vermelha por cima. Servem para iludir as crianças, que jamais terão a chance de saborear a delícia antiga, que a mãe cozia no fogão de lenha.
Ah, sim, eu falava da Páscoa, festa máxima do calendário cristão, sobre a qual, na infância, não recebi informação. Nem eu nem os outros jacuzinhos, que moravam numa colônia de café. Ou em sítios da redondeza. Continue lendo ›

A Quaresma

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoEstamos no final da Quaresma. Ela termina com a missa da Ceia do Senhor, na quinta-feira santa. Não estranhem meus poucos e bondosos leitores que eu comente sobre religião. É assunto normal para um padre, não?
A Quaresma está no fim e, pelo que tenho conhecimento, ninguém topou com algum lobisomem. Nem conheceu quem tenha visto um. Pelo menos nestas paragens e por esses dias. Em tempos passados, quando nossos pais moravam no sítio, se, em horas perdidas de uma de noite sexta-feira da Quaresma, os cachorros latissem e rosnassem com ferocidade, dentro de casa as pessoas arrepiavam-se e sentiam um frio na espinha. Só podia ser o lobisomem, cujo hábito era justamente vagar durante a Quaresma, sempre pela meia-noite das sextas-feiras.Continue lendo ›

O piá descobre o Clássico do Café

De Ayrton Baptista Junior, no blog Boleiros e Barangas, do Globo Esporte [a se lamentar, a Globo não dar o devido crédito ao filme exibido junto com o texto, um excerto do documentário acima, de Bohdan Hladü, produtor cinematográfico da Camera 35 e da Fama Filmes]:
Na minha adolescência, os livros de História e Geografia adotados pela escola destacavam o Brasil de uma forma geral, mas havia muito pouco do estado do Paraná. Este lapso foi para mim corrigido pelo Campeonato Paranaense de futebol. Eu ligo o rádio na B-2 e ouço o Carlos Kleina e o Oldemar Kramer informarem: “Hoje tem o Clássico do Café, em Londrina, e o Clássico da Soja, em Cascavel”. Por que café? Por que soja? Pergunto e percebo, ainda piá, a força agrícola paranaense.Continue lendo ›

O corcel de dom Jaime

padreorivaldoJá está em casa, de volta, o corcel preto de Dom Jaime localizado em Goioerê. Ladrão estabanado: foi roubar logo o carro mais conhecido de Maringá!
Enquanto gozou de saúde, Dom Jaime nunca teve motorista. Gostava de dirigir. Primeiro, a perua cinza recebida na chegada, em março de 1957, do prefeito Américo Dias Ferraz. Era uma picape Willys, adaptada para imitar a Willys Station Wagon, precursora da nossa Rural Willys de saudosa lembrança. Não sei por quanto tempo ele manteve a famosa “perua do bispo”. Num ponto Dom Jaime não tinha vaidade: passava anos sem trocar de carro.
Quando os valentes jipes deram lugar aos primeiros fuscas, ele não viu muita graça na mudança. Acho que o assustou a visão do corpulento Dom Gregório Warmeling, bispo de Joinville, dentro de um. Encontrando-o, um dia, ao volante do próprio fusca, Dom Jaime não aguentou: “Dom Gregório, como o senhor entrou aí? De calçadeira?”. Preferiu um DKW Belcar branco, com o qual rodou por anos a fio. Não me lembro de outros carros. Até que ele adquiriu o corcel preto 1975.Continue lendo ›

Lágrimas de homem

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoSe, como dizem, homem não chora, estou mal na foto. Por muito pouco, mesmo com esforço para segurar, acabo caindo no choro. Justifico-me apelando para as sete décadas que carrego nas costas. Idosos são emocionalmente mais frágeis que jovens. O duro é que no meu caso deve ser não consequência da idade, mas jeito da madeira. Minha saída de Paranacity foi prova clara. Eu estava com trinta anos. No discurso de despedida daquele povo que eu tanto amava, destampei numa choradeira inconsolável. Não consegui pronunciar mais que três ou quatro palavras. Dei um vexame histórico.
Remexendo o fundo do baú de meu coração mole, encontro o pesar imenso que me causa a dor especialmente de crianças. O sofrimento desses inocentes – ah, não dá – me engrola a língua e me arranca lágrimas. Isso vem de longe. Continue lendo ›

Olá, vizinho!

De Cezar Lima:
Você que está lendo, me diga: tem vizinhos e amizade com eles? Eu, de minha parte, sempre gostei de cultuar amizades com vizinhos e isto vem de berço, vendo o exemplo de meus falecidos pais. Moro na Domingos de Moraes – a “rua do Grupo Dr. Milton”. Minha vizinha ao lado de casa, é a querida “Vó Maria”, simpática e amorosa senhora e que recentemente perdeu seu companheiro, seu “Toninho Cestari”. Defronte, tenho a “dona Cida”, muito simpática e afável amiga de meus netinhos, sendo que o Augusto, a “ama de paixão” e ao lado da casa da Cida, meu vizinho, José Ramos Teixeira, o conhecido “Zé Difusora”, este, o tenho dentro do coração. Vem me visitar quase todos os dias e a gente coloca a conversa em dia e algumas vezes chega com “pão quentinho” e com uma porção de “farofa” que a sua esposa, dona Neide, fez com o maior carinho. Continue lendo ›

Como irmãos

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoA historieta a seguir alguns já leram no livro “A Igreja que brotou da mata”, que lancei em março de 2007. É verdadeira.
Nos anos 90, a Paróquia São José, da Vila Operária, foi confiada a Padre Silvino Pedro Rabuske. Corpulento feito um guarda-roupa de casal e bem jovem, nós o chamávamos Pedrinho, por causa da cara de menino. Seu auxiliar, Padre Arthur Frantz, passava dos setenta. Ambos jesuítas, de sólida formação e disciplina, era um mistério como se entendiam sob o mesmo teto. Não é comum o jovem ser o superior do idoso. Pelo menos se têm idades tão diferentes. Um dia, não contendo a curiosidade, uma senhora animou-se a perguntar: “Padre Arthur, o senhor tem mais de setenta anos; Padre Pedrinho, uns trinta. Trabalham juntos. Vocês nunca discutem? Como é que se entendem?”. Com graciosa serenidade o velho padre respondeu: “Não há nenhum problema. Vivemos como irmãos”. E para deixar bem claro, completou: “Brigamos todos os dias”.Continue lendo ›