Crônica

Recordação

De Antonio Prata, na Folha de S. Paulo:
“Hoje a gente ia fazer 25 anos de casado”, ele disse, me olhando pelo retrovisor. Fiquei sem reação: tinha pegado o táxi na Nove de Julho, o trânsito estava ruim, levamos meia hora para percorrer a Faria Lima e chegar à rua dos Pinheiros, tudo no mais asséptico silêncio, aí, então, ele me encara pelo espelhinho e, como se fosse a continuação de uma longa conversa, solta essa: “Hoje a gente ia fazer 25 anos de casado”. Meu espanto, contudo, não durou muito, pois ele logo emendou: “Nunca vou esquecer: 1º de junho de 1988. A gente se conheceu num barzinho, lá em Santos, e dali pra frente nunca ficou um dia sem se falar! Até que cinco anos atrás… Fazer o que, né? Se Deus quis assim…”. Leia mais.

Por que Neymar foi embora?

De José Roberto Torero:
Por que Neymar, ou melhor, os neymares vão embora? Não deve ser por dinheiro. A Espanha tem um PIB menor que o nosso. O do Brasil é o sexto do mundo, com 2,56 trilhões de dólares. O da Espanha é o décimo-segundo, com 1,49 trilhão. O motivo deste êxodo pode ser entendido no jogo de despedida de Neymar. Na íntegra.

Para onde foi o silêncio?

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoOutro dia, nos dois lados da calçada à minha frente, contei seis pessoas falando ao celular. Não olhei para trás. É provável que outras estivessem fazendo o mesmo. O leitor já deve ter visto alguém conversando na rua, mas não percebeu com quem. Fique tranquilo. Não é nenhum daqueles infelizes que conversam sozinhos. Pode ver que ele mantém um aparelhinho colado na orelha. Existem até adaptações que permitem falar deixando as mãos livres. Inventadas, quem sabe, por algum italiano, que gosta de conversar agitando os braços, feito um helicóptero.
Não sei qual a relação entre o número de habitantes e o de celulares. Acredito que seja de empate. Em média, um celular por habitante. Como o automóvel, o celular marca a vida contemporânea. Não adianta ficar bravo. Ambos vieram para ficar. Em qualquer cidade é provável que a parcela maior da população disponha de carro e de celular. Mais de um até. Para os veículos é um suplício garantir vaga de estacionamento ou garagem de prédio. Para os celulares, ao contrário, nenhuma restrição. Estão aí, de todos os modelos, tipos, cores e preços. Dotados ainda dos mais impensáveis recursos, que os transformam no mais avançado Bombril das famosas mil e uma utilidades. Celulares podem hoje ser usados até como telefones.Continue lendo ›

Que futuro haverá?

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoAlguém se lembra do filme “O Dia Seguinte”? Produção norte-americana de 1983, feita originalmente para a TV, desenhava os efeitos de uma guerra nuclear entre União Soviética e Estados Unidos. Era ambientada para Lawrence, no Kansas, cidade escolhida por situar-se no centro do país. Pretendia mostrar que uma guerra nuclear iria afetar a vida de todos, não importando onde vivessem. Hoje, a bem da verdade, nada acontece que não se faça sentir no mundo inteiro. Desde Herbert Marshall McLuhan (1911-1980), é aceito que vivemos numa “aldeia global”. Pelo menos no que tange ao comportamento. Basta um maluco inventar alguma idiotice num canto qualquer onde o Judas perdeu as botas para, do outro lado do mundo, alguém achar bonito imitá-lo. A macaquice patrocinada pelos meios de comunicação de todos os calibres faz tempo que mandou a privacidade para as cucuias.
Cada “especialista” que beberica sua cerveja no bar apresenta um diagnóstico para as barbaridades dos noticiários. Continue lendo ›

Dia das mães

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoUm colega meu de seminário, nos anos 60, durante as férias, tinha o costume de reunir em casa os irmãos menores para explicar-lhes passagens da Bíblia. Numa dessas ocasiões, contou-lhes a parábola do filho pródigo (Lc 15,11-32). Ao final, quis saber se haviam entendido ou restava alguma dúvida. Na inocência dos seus cinco anos, a irmãzinha caçula surpreendeu-o com um grande problema: “E onde estava a mãe dele”? Para a pequena deve ter parecido estranho que figura tão importante como a mãe não tivesse lugar na história. A parábola fala do filho descabeçado; do mais velho, ciumento; do pai misericordioso; cita até os empregados – mas sobre a mãe, nenhuma palavra. Pode?
Deus deve ter inventado a mãe a partir das necessidades do filho pequeno. Ao menor desconforto, ele exige-lhe a presença. Dela, de mais ninguém. Vá o pai acudir, se a hora for de mamar no seio! Quando chegar o tempo da mamadeira, ele poderá intervir. Mas aí já o grude do nenê com a mãe será tão firme que nem formão afiado remove. Igualmente a ligação dela com seu bebê. Continue lendo ›

Nossa violência de cada dia

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldo“Quando eu era criança pequena”, não lá em Barbacena, mas no Estado de São Paulo, ouvia contar maldades atribuídas a Dioguinho, Lino Catarino ou Aníbal Vieira, o Lampião paulista, que sobreviveram no ideário popular como desafiadores da lei e da ordem. Lei e ordem que, na sua época, não deviam ser grande coisa. No sertão de Rio Preto, Triângulo Mineiro ou Mato Grosso do Sul, no início do século passado, viver era quase ter a espada de Dâmocles sobre a cabeça. Pouca gente, muito mato, fazendas se abrindo, estradas e comunicações rudimentares… – o que não faltava eram arruaceiros e matadores. Claro que o povo exagera quando conta seus causos. Para Menotti del Picchia, “cada ‘valentão’ se multiplica, cataliza façanhas alheias, deforma-se sentimentalmente a tomar atitudes vingadoras de cavaleiro andante e a enriquecer-se com o halo quixotesco de façanhas inidentificáveis”. Nem sempre dá para separar a história da lenda. Contudo, é certo que houve homens ignorantes, violentos, para quem matar não produzia desconforto nem remorso. Julgavam-se acima do bem e do mal. Não conheciam outra lei senão a própria vontade, que impunham à força.Continue lendo ›

Educação vem do berço

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoOs filhos de hoje são todos lindos. Os pais capricham no visual do único ou dos dois que têm. Para os oito ou dez de outrora não havia isso. Não sobrava tempo nem dinheiro. Mas cada um recebia séria formação, sob o olhar atento e cuidado permanente. Coisa que hoje muitos esquecem. Fiz esta reflexão há doze anos, mas considero-a ainda atual.
Era domingo cedo. O homem pegou o jornal no jardim da bela residência e passava os olhos pelas manchetes. Foi quando viu um matinho à toa, na base da calçada, no fundo da casa. Como foi nascer ali, numa fenda do concreto? Qualquer hora eu o arranco, pensou o homem.
Após algum tempo, comprou uma chácara. Seus fins de semana tornaram-se bucólicos, como dizia. Os meninos não, mas ele e a mulher, por nada deste mundo, dispensavam a semanal fuga para o silêncio do campo. A rica mansão deixou de merecer a atenção de antes.
Anos depois, verificou que o matinho verde de um dia – na verdade, uma seringueira, aquela árvore que não produz borracha, mas se torna imensa – tinha rachado calçada, parede e ameaçava a estrutura da casa.
Historinha besta, dirá o gentil leitor. Imagine se alguém deixaria passar tanto tempo sem notar o risco que corria uma casa que custou tanto. É verdade. Quando há dinheiro em jogo, a gente cuida. Em se tratando de outros valores, nem se preocupa.Continue lendo ›

Um dia para o índio

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoNas décadas de 80 e 90 fui, algumas vezes, com uma família amiga ao Mato Grosso, perto do Pará, em férias de poucos dias. A gente aproveitava julho, quando não chovia. De uma feita, não sei por que, viajamos em janeiro. Então descobri a que, naquela região, chamam inverno. Dia sim, outro também, amanhece um céu azul que dá gosto. Quente como tampa de panela. Logo, logo começa a nublar. Pelas duas da tarde, pouco mais, despenca um aguaceiro de não se enxergar um metro à frente. Não demora e o céu limpa de novo. O dia termina num pôr do sol de pintura. Por que viajar para o Mato Grosso nas férias de meio do ano? É que boa parte dos familiares mudou para aquelas lonjuras. O casal, ambos professores, todo ano, levava as crianças a visitar avós e tios. Os de lá e os daqui mostravam prazer em que eu também fosse. Quiçá para fazer lastro no carro. Ou para ajudar a dirigir. Mais de dois mil quilômetros ao volante, sem parar, ninguém merece. Estou brincando. Amigos queridos, eles apreciavam, muito além do que vale, a minha companhia. Na época, depois de Cuiabá a BR 163 era chão puro até Santarém (PA). De tanto em tanto, desvios e máquinas. O solo preparava-se para o asfalto.Continue lendo ›

Casamento e tempo

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldo“Não podemos esquecer o tempo. Ele também passa pelo corpo que envelhece. A garota que conheci com vinte anos não é a mesma aos setenta. Existem ainda as enfermidades. Mas o mundo atual não quer que vejamos. Todos são jovens, bonitos, sem doenças. Ora, isso é contrário à experiência humana de todos os dias. Na hora da verdade, basta atravessar a rua para ver que a realidade é outra. Isso acontece porque há um materialismo de fundo que destrói o tempo. Porque não há vida interior e relação com Deus. A juventude e a obsessão com o corpo querem estar no mesmo nível que o espiritual. Se o corpo estabelece as regras de vida, tudo muda. A isso se acrescentam as enormes dificuldades econômicas que as famílias enfrentam; os problemas no trabalho, o desemprego, e até mesmo o fato de que o casal chega a casa exausto do trabalho. No final do dia, cada um viveu uma experiência diferente e não é possível compartilhá-la, porque a sociedade não permite. Tudo isso tem um preço, que é pago pela família. É preciso refletir sobre todos esses condicionamentos sociais da vida familiar”.
Quem passou dos setenta endossa as colocações acima, feitas por Georges Cottier, cardeal e teólogo pontifício emérito. É incrível com que brutalidade o tempo impõe ao nosso corpo transformações que, na infância e juventude, sequer em sonho calculávamos que aconteceriam. Até admitíamos que a vida é passageira, que a idade provoca mudanças. Mas não sabíamos, como agora, o que é suportá-las, quando chegam e se instalam.Continue lendo ›

O mais importante bem

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoEventualmente, quando o tempo me permite, acompanho o Jornal do Meio Dia. Esforço-me para não ser muito ignorante sobre o que rola por esse mundão de Deus. E me vejo mais assustado a cada dia. Tenho medo de que nos familiarizemos com brutalidades e safadezas. Que, no fim de algum tempo, venhamos a achar tudo normal. Que nos rendamos ao fatalismo de admitir que hoje o mundo é assim mesmo. Que não adianta lutar contra. Que nada pode ser feito. Boa parte das pessoas parece já concordar com isso.
Neste último dia de março, em Curitiba, uma senhora com três crianças, ao tomar um ônibus articulado da linha Pinheirinho-Praça Rui Barbosa, notou que o veículo tinha fechado a porta e arrancado antes que a terceira menina houvesse embarcado. Desesperada, pediu ao motorista que parasse. Enquanto isso, da janela, gritava à filha que esperasse no ponto até que a mãe voltasse para buscá-la. Vários passageiros se revoltaram com o condutor. Dois rapazes conversaram com o repórter da TV. Um disse que advertiu o motorista, dele obtendo, como resposta: “Ah, que se dane!”. Ao outro ele argumentou que tinha horário a cumprir e estava atrasado. Já fora anteriormente repreendido pelo fiscal da empresa por atender a passageiros. Como o jovem insistisse, freou o coletivo e disse asperamente: “Então venha você mesmo aqui dirigir”. Indignados, os jovens desceram com a mulher na parada seguinte. Postaram queixa na internet. Obtiveram compartilhamento de milhares de internautas.Continue lendo ›

A primeira pedra

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoCom surpresa, pesar e oito meses de atraso, tomei conhecimento da morte do Augustinho. Morava em Mirassol, quando entrou no seminário de São José do Rio Preto. Era o caçula da nossa turma de 1953. No dia 11 de julho passado sofreu um enfarte. Estava com 69 anos, o que, para os nossos dias, não é velhice. Pesquisador do CNPq, apaixonado por temas que iam desde o “futebol até as mais complexas teorias da Física”, era uma “fonte viva de consulta”, na opinião de colegas. Já na infância, além do fino humor, revelava surpreendente inclinação para a Matemática, que fazia antever o notável professor em que se converteria. No seminário ficou pouco. Tempos depois que tinha saído, soubemos que ingressara no ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica, de São José dos Campos. Era preciso ser muito cobra para isso. Para nós não foi novidade. O geniozinho acumularia título sobre título, até se laurear com o pós-doutorado pelo MIT – Massachussetts Institute of Tecnhology. Jamais abandonaria a paixão e a prática do ensino.Continue lendo ›

O compadre

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoLá na sua terra ele foi registrado como Nivard de Vries. No seminário nós lhe aportuguesamos o nome para Nivaldo. Era holandês, como todos os nossos formadores. Entre si usavam, quase sempre, a língua do seu país, hábito que, de vez em quando, gerava alguma confusão. Como no dia que Padre Edwin Smeets resolveu contar às empregadas, na cozinha, um caso divertido. Ele ria de lacrimejar os olhos, enquanto elas se olhavam, apalermadas. Até ele perceber que falava holandês com três simplórias domésticas, que só compreendiam português, e olhe lá.
Com sua careca luzidia e óculos de fundo de garrafa, Padre Nivaldo compunha uma figura original. Foi o primeiro ciclista que vi pilotar bicicleta motorizada. Continue lendo ›

Um inculto e nobre amigo

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoNenhum professor de História poria no filho o nome de Teglatfalasar, Vercingétorix ou Nabucodonosor. Na certa compraria briga com a mulher e pretexto para o divórcio. Contudo, de vez em quando, nos assustam nomes que mais parecem palavrões. Onde os pais os descobriram? E por que marcaram assim os filhos para o resto da vida?
Em Jales (SP), no meu segundo ano escolar, em 1949, transferido não sei de onde, entrou em minha sala um colega chamado Heliobas (com “o” fechado). Bizarro, sem dúvida, o nome; mais bizarro o dono. Não se via, entretanto, no grupo escolar inteiro, um estudante que lhe negasse a mais rasgada simpatia. Era uma figura rústica, quase selvagem. Continue lendo ›

O dia seguinte

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoNa década de 50 do século passado, a última luz que se apagava no Vaticano era a do papa Pio 12. Até uma hora da madrugada, a Praça de São Pedro mostrava as venezianas iluminadas dos seus aposentos. Antes das seis, estavam de novo acesas. Trabalhador infatigável, dormia menos de cinco horas por noite.
Depois dele vieram cinco. Quatro morreram no cargo. O último, não. Desde anteontem, estão apagadas as luzes que o mostravam em casa. Fico matutando sobre sua primeira noite na condição de papa emérito. No Palácio Apostólico de Castel Gandolfo, enquanto espera a reforma do convento Mater Ecclesiae, sua nova residência, será que demorou a pegar no sono? Precisou de algum comprimido para dormir? Pois é raro modificar tanto a vida de um homem. Menos ainda, a vida de uma Igreja multissecular.Continue lendo ›

Jabuticabas

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoUm senhor idoso plantava com carinho uma pequena muda de árvore. Aproximou-se um jovem: – Que planta é essa? – Uma jabuticabeira, respondeu o ancião. – Quanto tempo demora para dar fruto? – Ah, novinha como está, ainda vai levar uns 15 anos. – E o senhor espera viver tanto tempo assim? questionou com ironia o moço. – Não, não creio que eu viva mais tantos anos. – Então que vantagem o senhor vai ter com esse trabalho? Com ar de decepção, tornou o velho: – Só a vantagem de saber que ninguém colheria jabuticabas, se todos pensassem como você.
É uma das mil historietas em circulação na Internet. Provavelmente você já a tenha recebido. Dei com ela na minha caixa postal. Normalmente aciono logo a tecla “Delete”. Desta vez parei a considerar a lição nela contida.
Ao lado de muitas razões de empolgado aplauso, a sociedade atual revela hábitos não exatamente louváveis. Por toda a parte se verificam práticas individuais e coletivas que em nada aprimoram o convívio humano. A começar por um individualismo, que, se não alcançou o ponto extremo, dele anda perto. Vá lá que todos nós, pobres filhos de Adão, feitos do mesmo barro de discutível qualidade, desde o ventre materno sejamos portadores de um egoísmo sem freios. Mas aquilo que, em outras épocas, nos incentivavam a combater como vício, hoje se enaltece como grandeza. Ora, há condutas que, em qualquer tempo, latitude ou cultura, continuarão sendo o que sempre foram. Continue lendo ›

E agora, José?

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoEm 19 de abril de 2005, uma terça-feira, segundo dia de votação, o cardeal chileno José Arturo Medina Esteves veio ao balcão da Basílica de São Pedro e proclamou: Habemus papam. O novo pontífice, chamado José, escolheu o nome de Bento. Era a escolha previsível, apesar de se tratar de um quase octogenário. Não se passaram oito anos. Neste 11 de fevereiro, segunda-feira de Carnaval, o papa de quase 86 anos apresentou sua renúncia. Com Drummond perguntamos: E agora, José?
Este idoso José é um professor universitário, autor de mais de 40 livros, unanimemente reconhecido como o maior teólogo vivo. Continue lendo ›

Vizinho danoso

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoA avalanche de notícias sobre o incêndio da boate Kiss, de Santa Maria (RS), trouxe à tona relatos comoventes até para jornalistas traquejados em contar desgraças. No meio de tanta dor e desespero apareceram gestos de grandeza com que poucos contavam. Feitos por anônimos que, não obstante a pouca idade, se mostraram heróis autênticos. Jovens nem um pouco interessados em divulgar o que fizeram. E o que fizeram foi dar a vida para poupar da morte pessoas que nem conheciam. Quem os animou na esperança de resgatar vidas desconhecidas? Alheios à própria segurança escreveram, naquela sinistra noite, a página mais luminosa da história de Santa Maria. Fico imaginando que emoção cultivam pais, irmãos e colegas dos que, tentando salvar outros, se enfiaram naquele inferno de escuridão e calor.Continue lendo ›

Os bancos, hoje

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoVocê já passou dos sessenta? Então não troque de banco. O melhor que lhe pode acontecer ao tratar de assuntos bancários é ser recepcionado pelo sorriso de um gerente conhecido. Ou de um funcionário antigo, que lembra o número de sua conta e sabe até os centavos do seu saldo. Você nunca descobrirá se estão sorrindo por amizade, por respeito ou gozação. Mas qual a diferença? Importante é que se interessam por seu problema e procuram resolvê-lo. Merecem gratidão por esse cuidado com velhos clientes, que nada entendem de banco, essa preciosa invenção feita para gadunhar nosso pobre dinheirinho.
Conheci um gerente, que bem cedo descobriu minha falta de intimidade com serviços bancários. A partir de então, quando me via chegar, se levantava, me recebia e conduzia-me ao caixa automático. Etapa por etapa, ia lendo as mensagens da tela. Como se eu fosse um analfabeto. Concordo que, dentro de um banco, me sinto analfabeto ou quase isso. Continue lendo ›

Nada contra

Da escritora Aline Valek:
Não tenho nada contra homofóbicos. Eu, inclusive, tenho muitos amigos que são. O problema é que tem uns homofóbicos escandalosos, que não conseguem ser discretos. Ficam dando pinta que não gostam de gay, sabe? Tudo bem ser uma pessoa rancorosa e preconceituosa, mas não em público. Entre quatro paredes e bem longe de mim, tudo bem. Nada contra mesmo. Leia mais.

Um Natal sem sinos

De Luiz Henrique Rossi:
Mateus 2:13-18
Os sinos não soarão neste natal. Pelos menos, não aqui, no estado de Connecticut-EUA, onde, em cada canto, ainda permanecem sem respostas as principais questões sobre o massacre ocorrido no último dia 14 desse mês, na cidade de Newtown, quando morreram 20 crianças e sete adultos. Ainda, que nos esforcemos, é quase impossível não pensar naquele cenário de morte, tristeza, desespero e saudade, que envolve não apenas as vítimas e seus familiares, mas a todos quantos se deixaram compadecer e abriram seus corações para sentir a mesma dor.Continue lendo ›

Feliz Natal

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldoNesta época de Natal, é comum pessoas afirmarem que são tomadas por tristeza, não por alegria. Mal começa dezembro e, para convocar todos às compras, irrompem melodias natalinas, não executadas, mas marteladas de manhã à noite em nossos desesperados ouvidos. No coração de boa parcela do povo se instala um sentimento de estranha melancolia. Bestificados pelo vulgar brilho de luzinhas chinesas e ruídos ininterruptos que dominam as ruas, não nos damos conta dos infelizes que tudo fariam, se pudessem, para deixar de atender a incontrolável volúpia de comprar. Nem sempre notamos, mas eles sobrevivem em nosso meio, em número maior do que supomos, agredidos pelo consumismo que se escancara ainda mais nestes dias. Como bois tangidos a moderno matadouro não veem escapatória da via trilhada por tanta gente. Continue lendo ›

Irmãs deixam o Albergue

Do padre Orivaldo Robles:
padreorivaldo“Desde o final dos anos 40, praticamente desde seu nascimento, a cidade de Maringá acostumou-se com o espetáculo de gente indo e vindo em busca de emprego. No início, eram trabalhadores rurais, sem outra qualificação além dos próprios braços, atrás de alguma colocação nas muitas propriedades de café que se abriam com a derrubada do mato. Perambulavam pela cidade e, como não dispunham de dinheiro, também não conseguiam hospedagem nos poucos hotéis existentes. Ao chegar, dom Jaime encontrou funcionando na cidade um “albergue”; na verdade, modesta hospedaria de madeira sem conforto, mantida pelo poder público estadual, onde os necessitados recebiam atendimento sofrível. Condoído dessa parte infeliz do seu rebanho, em 1958 iniciou entendimentos com os responsáveis do FATR – Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural, precursor do Funrural, sobre a possibilidade de transferir para a Igreja Católica o cuidado da instituição. Continue lendo ›

Rubem Alves e o presépio

Do padre Orivaldo Robles:
Tenho uma saudável inveja do pensador Rubem Alves. Nada de mais que um padre seja fã de carteirinha de um pastor protestante. Que já não pastoreia, mas continua a oferecer preciosidades da fé, da cultura e das letras. Sem pedir licença, transcrevo quase inteira sua crônica de 23/12/ 2008, publicada originalmente na Folha de São Paulo:
“Menino, lá em Minas, eu tinha inveja dos católicos. Eu era protestante sem saber o que fosse isso. Sabia que, pelo Natal, a gente armava árvores com flocos de algodão imitando neve que não sabíamos o que fosse. Já os católicos faziam presépios.
Os pinheiros eram bonitos, mas não me comoviam como o presépio: uma estrela no céu, uma cabaninha na terra coberta de sapé, Maria, José, os pastores, ovelhas, vacas, burros, misturados com reis e anjos numa mansa tranquilidade, os campos iluminados com a glória de Deus, milhares de vagalumes acendendo e apagando suas luzes, tudo por causa de uma criancinha. A contemplação de uma criancinha amansa o universo.Continue lendo ›

O fim do mundo

Por Donizete Oliveira:
Resolvi escrever sobre este tema porque muito está se falando nele. No ano dois mil, quando também havia o boato sobre o fim dos tempos, não se falou tanto. Esperava que em 2012, as pessoas estivessem mais informadas. Mas, ao contrário, parece que há mais desinformação.
Desde menino ouço essa história de fim do mundo. Minha mãe costumava dizer: “Dois mil chegará, dois mil não passará”. Aquilo me dava um medo. Se viesse uma chuva forte com raios e trovões, pronto, pensava, é o fim.
Cresci, e a leitura de livros me mostrou que o mundo não podia acabar assim de um dia para o outro. Quando li “Viagem ao centro da terra”, de Júlio Verne, descobri que nosso planeta é misterioso e belo. Quase nada conhecemos das profundezas da terra.Continue lendo ›

Gente que ainda existe

Num dia desta semana, encontrei por acaso duas amigas queridas. Trocamos algumas palavras. Conversa entre amigos não segue planejamento nem conhece trava ou segredo. É papo aberto, que brota da liberdade e da confiança, sobre qualquer assunto. Não se sujeita à censura nem fiscaliza as palavras. É inevitável sair algo que estranhos tomariam por grosseria. Como um daqueles despautérios do personagem Chaves, da TV, que, após soltá-lo, corre logo a desculpar-se: “Me escapou!”. Uma das amigas falava sobre seu filhinho, que se mostra sempre atento às necessidades dos outros. Deu um exemplo para ilustrar. A uma senhora que, por pouco, não tinha levado um tombo capaz de feri-la com gravidade, ele perguntou: “A senhora está bem? Está precisando de alguma coisa?” Isso lá é conversa de um menino de cinco anos? Mal tinha a mãe contado o episódio, fui tomado pelo espírito do Chaves. Sem refletir, soltei em voz alta: “Vai ser um bobo a vida inteira”. Continue lendo ›

Eu desisto

Do padre Orivaldo Robles:
Afirmação até certo ponto ufanista assegura: “Eu sou brasileiro; não desisto nunca”. Tentei levá-la à prática. Foi quando apareceram as faixas de pedestres nas ruas (sinalização horizontal) e, ao lado, placas de advertência (sinalização vertical). Em país civilizado tais placas são dispensáveis. Basta a sinalização horizontal. Mas nós somos diferentes. Abracei a quixotesca tarefa de ajudar pessoas a atravessar a rua. Contribuiria para criar entre nós um clima urbano mais cortês. Do que, aliás, Maringá precisa. Tolo que sou e cabeçudo, ainda por cima, comecei a solitária campanha de levar à observância da faixa de pedestres. Andando a pé por onde não havia sinal luminoso, eu levantava um braço para indicar minha intenção de cruzar a rua, enquanto, com a outra mão, apontava as listras brancas no asfalto. Ocasiões houve em que motoristas educadamente me cederam a preferência. Noutras, a reação foi menos amigável. Dirigiram-me buzinadas raivosas. Ou me homenagearam com gentilezas do tipo “Quer morrer, seu louco?” ou “Está bêbado, f.d.p.”?Continue lendo ›

Padre Makiyama

Do padre Orivaldo Robles:
Seu nome brasileiro era Pedro. Em verdade, chamava-se Watar. Mas para nós sempre foi o Makiyama. Nome japonês comum para alguém muito pouco comum.
Deus sabe de que forma se manifestou a vocação em sua vida. E como foi difícil realizá-la. Na adolescência teve a ideia de ser padre. Mas jesuíta, como São Francisco Xavier, missionário na Índia e no Japão. Só que precisava trabalhar na roça para ajudar a família. Levou tempo até entrar na Escola Apostólica de Nova Friburgo (RJ), onde os jesuítas começavam a preparação dos seus candidatos. A pouca base escolar do Norte do Paraná dificultou-lhe acompanhar o estudo puxado. Penosamente, seguiu até à Filosofia, em Belo Horizonte. Foi aconselhado, porém, a desistir. A se tornar religioso, mas irmão leigo. Não concordou. Voltou ao Paraná.
Procurado, Dom Jaime o acolheu e encaminhou a Curitiba para os quatros anos da Teologia, etapa final da formação de padre. Foi nessa fase que se tornou companheiro de seminário, meu e do Almeida.Continue lendo ›

Perigo doce

Do padre Orivaldo Robles:
Tio Vitoriano era dono de um carro de praça. Estávamos em 1951. Nenhum de nós tinha ainda ouvido a palavra táxi. Pelas tantas, os parentes começaram a mostrar incomum preocupação com o patriarca, o vô Rogelio, que o pai chamava de “meu sogro”. Não Rogério, mas Rogelio, como se fala em espanhol. Por influência das muitas famílias italianas do lugar, nos acostumamos a dizer “nona” e “nono”, em vez de vó e vô. Que eu tivesse sabido, ele nunca saíra daquele sítio. Nem cuidara da saúde. Aos 77 anos, obeso, como se descobriu que era diabético jamais entendi. De que meios dispunham para o diagnóstico? Que laboratório tinha feito os exames? Vai lá saber. Mas o nono tinha diabetes e a coisa era antiga. Os sintomas não assustavam pela simples razão de que a família ignorava os riscos. Daí que ele ia levando a vida possível a um diabético desinformado. Continue lendo ›

Legado

Do jornalista Ricardo Mota, de Maceió (AL):
Que compromisso nós temos para com a humanidade? É uma pergunta simples, que cada um de nós já há de ter feito a si próprio, mesmo que ela tenha sumido na imensidão de preocupações que nos arrastam no cotidiano. Viver é, também, cuidar do legado que deixaremos – queiramos ou não – aos que virão depois de nós. E o fazemos ainda que não percebamos com clareza os objetivos de nossas ações. Talvez a tarefa mais inexata e inexpiável com a qual nos deparamos, se dela temos consciência, é a de lapidar pessoas, dando-lhes a espinha dorsal de sua personalidade.Continue lendo ›

Tempos difíceis

Do padre Orivaldo Robles:
Conheci homens e mulheres que enfrentaram vida duríssima. Ganhavam o sustento com o suor do rosto. Suor de todo o corpo. Tive chance de contemplar homens vestidos com o que parecia baixeiro de cavalgadura. Com andar trôpego de canseira, com pés mal defendidos por alpercatas desfiadas. Famílias inteiras davam na roça um duro danado. Saíam antes do nascer do sol para retornar perto do escurecer, quase noite. Até crianças trabalhavam. Melhor serviço pouco na lavoura do que muita confusão em casa.
Nossa família foi exceção. Só o pai compreendia que meninos deviam estudar. Os tempos eram outros. Ou, na época, a pobreza se espalhava por todo o lado. Em casa, não tínhamos razões de queixa. Ainda que fosse o pai o único envolvido de fato nos cuidados do café, monocultura da região. Pela manhã, íamos à escola. No conforto de um ônibus de linha. Nem sempre sentados, porque, em certos dias, ele já vinha lotado de Araçatuba. Continue lendo ›